Samy Pinto (*)
A primeira vez que visitei a Polônia foi em 2007, estava junto a um grupo de estudantes da comunidade judaica do Brasil, em específico de São Paulo.
Era perceptível na visita o clima não simpático para com a nossa presença, e os próprios seguranças que acompanhavam nosso grupo, pessoas do país, nos alertaram sobre andar sozinho na região, que havia um olhar de certa antipatia a presença de judeus. Na ocasião, visitávamos os guetos de Varsóvia e os campos da segunda guerra mundial espalhados em solo polonês. E sentíamos o desafeto da parte de alguns poloneses.
Recentemente, o Parlamento Polonês sancionou uma lei que criminaliza a afirmação de que a Polônia foi responsável pelos campos de concentração que assassinaram 6 milhões de judeus, e em especial em campos poloneses, em que dados apontam para três milhões assassinados nesses locais. A posição do governo atual é dizer que o país não foi espectador complacente do nazismo, e tão pouco cúmplice da matança que chocou o mundo pela crueldade e pela quantidade de seres humanos que perderam a vida, os isentando do holocausto. Mas como apagar um fato historico?
A verdade é que os fatos, a história e a memória não podem ser apagados por um simples decreto que poderá ser sancionado pelo presidente da Polônia. É audaciosa e lamentável essa iniciativa do governo polonês, que contraria um episódio histórico de extrema relevância. Pode até ser que o país não tenha apoiado o nazismo, mas a própria história mostra que a relação de antissemitismo é um fenômeno independente na região. Vejamos no exemplo abaixo.
Em 4 de julho de 1946, ocorreu na cidade de Kielce, na Polônia, mais um Pogrom. Segundo registros, a população civil do local apedrejou e depredou a sede da comunidade judaica na região. Além disso, 42 judeus foram massacrados e mais de 100 foram feridos no triste episódio. Esse fato é importante para o debate sobre a lei sancionada pelo governo polonês, já que mostra que um caso de antissemitismo ocorreu praticamente um ano depois do fim da segunda grande guerra, em um momento em que não havia mais nazismo e a Alemanha não ocupava mais o país.
Como quer propor o parlamento polonês que, uma vez que acabou a guerra, não haveria mais perseguições a qualquer outro povo? Dá para explicar o que houve em Kielce, em 1946? É possível afirmar que a Polônia foi apenas vítima do nazismo?
Agora é importante dizer que, embora os campos de concentração e de extermínio não foram uma iniciativa polonesa, e isso nós sabemos, não quer dizer que não havia no país um clima antissemita. Assim como também sabemos que não podemos generalizar tudo. Se sabe que haviam muitos poloneses que arriscaram suas vidas para salvar judeus. No museu Yad Vashem, em Jerusalém, que recolhe documentos, fotos para construir a memória da história judaica no capítulo da segunda grande guerra, tem uma homenagem a 7 mil poloneses. É um espaço para aqueles que seriam ‘os justos entre as nações’.
A verdade histórica é que a Polônia quer se livrar de uma herança maldita da Segunda Grande Guerra e do Holocausto. Esse episódio do governo polonês trata-se de um revisionismo na história, tendo como alvo os judeus. Essa lei que criminaliza e condena quem afirmar que o país foi responsável pelos campos de concentração mostra que o antissemitismo continua na Europa e em diversos países, com características especificas. Infelizmente o antissemitismo ainda está vivo.
(*) – Formado em Ciências Econômicas, se especializou em educação na Universidade Bar-llan, em Israel. Foi diretor do Colégio Iavne, por 22 anos. É diplomado Rabino pelo Rabinato chefe de Israel, e responde pela sinagoga Ohel Yaacov, também conhecida como sinagoga da Abolição.