Naufrágios chamam a atenção para a segurança nas hidrovias brasileiras
No ano de 2017, o Brasil registrou, até o início do mês de outubro, 125 naufrágios em rios e no litoral, que renderam investigações das polícias locais e do Ministério Público
Destroços do barco Capitão Ribeiro, que afundou no Rio Xingu, no Pará. |
Agência Senado/Especial Cidadania
Ao todo, foram 70 mortos e desaparecidos. A maior parte decorrente de dois acidentes no mês de agosto: no dia 22, o barco Capitão Ribeiro afundou no Rio Xingu, na altura da cidade de Porto de Moz, no Pará, durante uma tempestade; e no dia 24, a lancha Cavalo Marinho I naufragou na Baía de Todos-os-Santos, pouco depois de sair de Salvador rumo à Ilha de Itaparica. O primeiro acidente fez 23 vítimas, do total de 53 pessoas a bordo. Já o segundo vitimou 18 pessoas, das 133 que viajavam.
Esses dois naufrágios, ocorridos com poucas horas de diferença, chamaram a atenção da sociedade para os critérios de segurança das embarcações que diariamente carregam pessoas pelas águas brasileiras. A segurança do transporte de passageiros por embarcações é uma responsabilidade dividida, principalmente, entre a Marinha e a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq). Ocasionalmente, entidades estaduais também atuam nesse trabalho.
Os naufrágios do Pará e da Bahia estavam sob a jurisdição das entidades estaduais, segundo explicou o diretor-geral da Antaq, Adalberto Tokarski. “São linhas de navegação dentro dos estados, intermunicipais. Mesmo que quiséssemos tomar providências, não poderíamos”, observou. A Agência Estadual de Regulação de Serviços Públicos de Energia, Transportes e Comunicações da Bahia (Agerba) assegurou que a lancha Cavalo Marinho I estava com a documentação e as vistorias requeridas para operação em dia.
Já a Agência de Regulação e Controle de Serviços Públicos do Estado do Pará (Arcon-PA) afirmou que o barco Capitão Ribeiro não tinha permissão para transportar passageiros. Ele estava liberado para fazer transporte de cargas, porém apenas por um trecho que correspondia a um terço do trajeto percorrido no dia do acidente.
Tokarski afirmou que a Antaq tem trabalhado no desenvolvimento de ferramentas de georreferenciamento para embarcações, de modo que elas possam ser localizadas via satélite a todo momento. Esse recurso permitiria endurecer a fiscalização sobre o cumprimento de rotas estabelecidas e também verificar com precisão e em tempo real se embarcações estariam circulando fora das áreas autorizadas.
Liberação
A navegação pode ser de dois tipos: interior, pelos rios e lagos do país, ou de cabotagem, pela costa. A Marinha é a principal responsável pela segurança do transporte em embarcações e atua por meio de 62 núcleos administrativos que concentram os serviços. São as capitanias dos portos (no litoral) e as capitanias fluviais (no interior), e também suas delegacias e agências.
O principal documento necessário para a operação de embarcações é o Certificado de Segurança de Navegação (CSN), expedido pela Marinha. A aquisição do CSN depende de vistoria, que deve ser renovada periodicamente.
Outras exigências específicas podem ser encontradas entre as Normas da Autoridade Marítima, que são emitidas periodicamente pela Diretoria de Portos e Costas da Marinha.
A Antaq é responsável por regular o transporte em linhas hidroviárias interestaduais e de fronteira. A agência possui 14 unidades regionais, além de 12 postos avançados fixos nos principais portos de cargas e passageiros. O trabalho da agência depende dos documentos expedidos pela Marinha. A posse deles é um dos requisitos para que a Antaq possa emitir as autorizações de funcionamento para proprietários e empresas.
Além dos papéis, é preciso comprovar normalidade jurídica e fiscal, boas condições econômicas e propriedade de embarcações, entre outras exigências. Uma vez liberadas para irem para as águas, as embarcações brasileiras precisam carregar a bordo uma lista de itens de segurança. Esse rol varia não só de acordo com o lugar em que elas circulam, mas também com o tipo de barco.
Realidade
Embora a legislação pareça ser suficiente, o grande número de naufrágios indica que, na prática, algo está errado. Para o senador Paulo Rocha (PT-PA), falta fiscalização e sobra irresponsabilidade por parte dos donos das embarcações. Na opinião dele, a solução seria aumentar os investimentos, por meio de verbas orçamentárias destinadas aos setores responsáveis por vigiar o trânsito de passageiros, de esportistas e de cargas pelas vias aquáticas. Rocha acredita que não há como afrouxar a fiscalização quando essa é a única forma de locomoção ao alcance de tantas pessoas, principalmente nas regiões da Bacia Amazônica, onde o transporte hidroviário é muito comum.
Em entrevista logo depois do acidente na Bahia, publicada pelo site Correio 24 horas, uma das sobreviventes, a administradora de condomínios Meire Reis, reclamou das más condições da lancha Cavalo Marinho I, a qual utilizava só quando não havia outro jeito de fazer a travessia para chegar ao trabalho. Segundo ela, “umas oito a nove pessoas” desistiram de viajar na manhã do naufrágio quando viram que teriam de embarcar na Cavalo Marinho. “É a pior embarcação que existe. Para você ter uma ideia, quando ela está ancorada, ela já fica toda torta”, descreveu.
Meire denunciou também a inadequação dos equipamentos de emergência. O bote salva-vidas ao qual ela foi recolhida, por exemplo, estava amarrado a outro bote. Os passageiros não conseguiram desprendê-los e um ficou por cima do outro. Os coletes salva-vidas, apesar de existentes, estavam, segundo ela, presos com nós muito fortes, o que dificultou ou até impossibilitou a sua utilização.
Bom exemplo
Para Darse Arimatéa, proprietário de um catamarã que faz passeios turístico-culturais pelo Lago Paranoá, em Brasília, a segurança é prioridade. Em quase 8 anos de operação, o barco já transportou mais de 55 mil passageiros. Cada viagem é acompanhada por quatro marinheiros profissionais. O piloto, Nilson Ferreira, tem 26 anos de experiência.
Segundo ele, o transporte de pessoas exige muita responsabilidade, porque a atenção deve estar voltada não apenas para os próprios passageiros como também para as ações dos demais navegantes. “Vemos muita imprudência. O erro que mais se comete é passar muito próximo a outra embarcação. Eles não passam devagar, então a marola forte balança o barco, e se vier outra embarcação pelo outro lado, pode haver colisão”, alerta.