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Reflexões sobre os 10 anos da venda da Varig

em Artigos
quinta-feira, 22 de junho de 2017

Telmo Schoeler (*)

Passados exatos 10 anos da venda da Varig à Gol, cabe fazer uma reflexão sobre a solução dada ao caso.

Como ex-conselheiro e integrante do grupo que concebeu um plano de reestruturação da companhia antes de sua falência – o qual não foi implementado por conta da desastrosa intervenção do Governo Federal, de um incoerente posicionamento de seus credores, especialmente os estatais, e de uma tradicional visão meramente legal do judiciário, pergunto: quem ganhou e quem perdeu?

Poucos foram os ganhadores e muitos os perdedores, o que significa que ela não foi boa. A solução envolveu a clássica separação da companhia em uma empresa “boa”, com ativos, marcas etc., e outra “podre”, com problemas e dívidas. A “boa”, não detentora nem sucessora dos passivos, é vendida para um investidor e o dinheiro vai para a “podre” (massa falida), a fim de liquidar passivos dentro de um ordenamento legal. Este procedimento é juridicamente legal, operacionalmente possível e até usual. Mas nunca consegue cobrir os passivos.

Foi bom e conveniente para a Gol: ganhou porte, eliminou um concorrente de peso ficando com sua marca e adquiriu fundo de comércio. Para os credores, péssimo negócio. Melhor seria a solução que nossa equipe articulou dentro do espírito dos processos internacionais de recuperação empresarial e posteriormente incorporados à lei 11.101, qual seja: a maioria (ou totalidade) dos credores converteriam créditos em capital; investidor estratégico do ramo (no caso, a Lufthansa) aportaria novo capital e lideraria uma nova gestão; investidor financeiro brasileiro (fundo de investimento) aportaria capital e teria o controle acionário nacional previsto em lei.

A Varig estaria viva, com todos os seus ativos, capitalizada e bem gerida, capaz de pagar passivos restantes, inclusive tributários, com potencial valorização em Bolsa, permitindo a recuperação de créditos pela venda das ações, como ocorreu na recuperação da GM, em que até dívidas tributárias foram liquidadas dessa forma. O único perdedor seria o responsável pela derrocada, a Fundação Rubem Berta. Nada mais aderente à lógica internacional incorporada à lei 11.101, que diz que o objetivo de um processo de recuperação é manter a “entidade econômica” funcionando, sem menção à pregressa “estrutura e propriedade societária”.

Infelizmente, este foi mais um caso tratado dentro da lógica estrita jurídica da antiga lei de concordatas e falências, onde a incapacidade de pagamento e a recuperação eram temas de um processo estritamente judicial, alheio aos credores, o que quase sempre levava a falências. Mesmo após o caso Varig, estamos, no Brasil, longe da compreensão de que a recuperação empresarial é um processo que requer um conjunto de advogados, administradores, financiadores, investidores, gestores de crise etc., em que os credores avaliam o “plano de recuperação”, como preconizado adiante em lei.

Isso vai muito além do pedido de desconto do controlador, prazo de carência e amortização e em nada diferente do que se faz no mundo desenvolvido.

(*) – É presidente da Orchestra Soluções Empresariais, foi integrante do conselho de administração da Varig em 1999 e 2000.