Como a dívida pública afeta cada brasileiro
As contas de um país funcionam mais ou menos como as de uma família. Se falta dinheiro para pagar todas as despesas da casa, a saída pode ser tomar um empréstimo. Mas é preciso cuidado para administrar bem esse débito, de modo que ele não cresça descontroladamente e acabe comprometendo uma parte cada vez maior do orçamento. Seja o doméstico ou o do país
Assim como a dívida, a emissão de dinheiro é uma via para o governo obter recursos, mas gera inflação |
No Brasil, a dívida pública já chega aos R$ 4,19 trilhões. Cerca de R$ 3,1 trilhões compõem a dívida pública federal (DPF), formada pelas dívidas interna e externa (veja quadro). O restante se deve às chamadas operações compromissadas do Banco Central.
O crescimento da dívida brasileira se soma à recessão, caracterizada pela queda do produto interno bruto (PIB), que é a soma de todas as riquezas produzidas no país a cada ano. Com isso, pinta-se um quadro em que o governo tem mais dificuldade para dar conta de todas as suas despesas e débitos.
O PIB caiu 7,2% no período 2015-2016, derrubando também a arrecadação federal. Foram dois anos consecutivos de recessão da economia brasileira, fato inédito no país desde o início da década de 1930. Nesse cenário, a relação entre a dívida bruta do governo e o PIB cresceu aceleradamente e fechou 2016 a uma taxa de 69,6%. Isso significa que o endividamento do país equivale a mais de dois terços do tamanho da economia. Há dois anos, essa relação era de 56,3%.
– Com uma dívida nesse patamar, estamos sacrificando investimentos no Brasil. Estamos deixando de aplicar mais recursos na saúde, na educação, na questão previdenciária – avalia o senador José Pimentel (PT-CE).
Impactos
Como instrumento de financiamento do Estado, a dívida pode ter um impacto positivo sobre a sociedade. Ela é uma via de abastecimento do caixa do Tesouro, reduzindo a necessidade de emissão de moeda (que gera inflação e corrói a renda das pessoas) ou de aumento da carga tributária (que desacelera a atividade econômica e traz o desemprego).
Ao fazer uma dívida, o governo obtém recursos para investir em infraestrutura e programas sociais, por exemplo. Porém, o endividamento traz como consequência os juros, que afetam o crescimento da própria dívida pública e todas as operações financeiras realizadas diariamente pelas pessoas, como fazer uma compra com o cartão de crédito, assumir uma despesa a prazo ou tomar um financiamento.
Quando a situação das contas do Estado sai de parâmetros aceitáveis, essa situação pode se agravar. É o que explica o consultor legislativo do Senado Alexandre Rocha.
– Quanto menor for a capacidade do governo de honrar a sua própria dívida, maior vai ser a desconfiança dos agentes econômicos [em relação ao Executivo], maior vai ser o encurtamento do prazo da dívida e maior vai ser a taxa de juros cobrada [para conceder novos empréstimos].
O encurtamento do prazo significa menos capacidade de “rolar a dívida” e esticá-la em condições que tornem o pagamento mais cômodo para o governo. Tendo que desembolsar mais dinheiro de forma imediata para arcar com a dívida encurtada, o Estado tem menos recursos à mão para cumprir suas funções sociais e fazer investimentos. Isso se reflete sobre a qualidade de vida da população.
Primeiro mundo também se endivida
Mesmo com uma dívida bruta corresponde a cerca de 70% da sua produção econômica anual, nesse indicador o Brasil está atrás de vários países desenvolvidos. Entre outras nações cuja dívida ultrapassava 100% do PIB em 2015 apareciam os Estados Unidos. Reino Unido, França e Alemanha também tinham dívidas superiores à brasileira na relação com o PIB (veja quadro). A diferença é que, como essas economias são mais estáveis, há uma confiança maior nos governos, que assim pagam juros menores e podem se endividar com mais segurança, explica o diretor da Instituição Fiscal Independente do Senado (IFI), Felipe Salto.
O Japão, dono da terceira maior economia do planeta, possuía ao fim de 2015 uma dívida correspondente a 229% do seu PIB. Mas em dezembro daquele ano, a taxa anual de juros estabelecida pelo Nichigin (o Banco Central japonês) era de 0,10%. Em 2016 ela passou a ser negativa. Para efeito de comparação, a taxa de juros determinada pelo Banco Central brasileiro no mesmo período era de 14,25%. Hoje está em 12,25%.
– O crescimento da dívida pública brasileira hoje não é nem tanto resultado do endividamento público. É fruto de uma taxa de juros exorbitante que nós praticamos – analisa o senador José Pimentel (PT-CE).
Cada ponto percentual de aumento ou redução nos juros, lembra Felipe Salto, equivale a R$ 28 bilhões a mais ou a menos no custo anual da dívida.
– Isso é muita coisa. Equivale a um programa anual do Bolsa Família – compara.
A existência da dívida pública é natural no mundo e o seu crescimento, esperado. No entanto, o ideal é que o endividamento esteja sempre sob controle.
– As políticas públicas geram uma pressão por recursos. O objetivo da política fiscal [do governo] tem que ser criar condições econômicas para que o país possa se endividar sem que o custo seja impeditivo -, afirma Felipe Salto.
Rolagem
A maior parte da dívida pública brasileira está na chamada dívida mobiliária interna: títulos do Tesouro Nacional que podem ser comprados por qualquer pessoa, grupo ou empresa e que oferecem um rendimento ao comprador com diferentes datas de vencimento.
Todos os anos, a União paga os juros da dívida e faz a quitação de uma parcela do montante (amortização). Nesse processo está embutida a rolagem da dívida, que é a emissão de novos títulos públicos, com prazos maiores, para substituir os títulos que estão prestes a vencer.
Em 2016, o governo federal gastou R$ 925,3 bilhões amortizando e refinanciando o seu débito. Segundo Felipe Salto, esse volume mostra que o Brasil precisou rolar muita dívida, o que significa que o país possui muitos títulos de prazo curto, resultado da desconfiança dos credores.
– Para comprar dívida de quem não tem capacidade de pagar, exige-se que o prazo seja curto e que o juro seja alto, a ponto de compensar a assunção desse risco – diz o diretor da IFI.
O pagamento de juros em 2016 consumiu R$ 204,9 bilhões. Somando esse valor à rolagem, chega-se a um montante de R$ 1,13 trilhão, cerca de 44% do Orçamento da União. O percentual é sinal de descontrole da dívida, avalia Felipe Salto, o que se agrava num período de crise econômica.
– O desequilíbrio fiscal, o excesso de gasto, a falta de poupança fazem com que o juro no Brasil seja atipicamente elevado. A dívida é crescente e o custo dela é muito alto – diz o economista.
Teto
O pagamento de juros da dívida é coberto em parte pelo superávit primário, a diferença entre o que o governo arrecada e o que gasta. Nos últimos três anos, porém, o Brasil registrou déficit: gastou mais do que recolheu. Quando isso acontece, o governo precisa apelar a empréstimos e a dívida cresce de modo mais acentuado.
A Emenda Constitucional 95, promulgada pelo Congresso em dezembro e fruto do projeto conhecido como “PEC do teto de gastos, limita o crescimento das despesas primárias da União, mas não incide sobre o pagamento de juros da dívida (Ag. Senado/Especial Cidadnia).