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Linchamento virtual, violência real

em Especial
terça-feira, 27 de setembro de 2016
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Linchamento virtual, violência real

O nome da dona de casa Fabiane Maria de Jesus talvez hoje passe despercebido. Quem irá se lembrar o quanto, em 2014, se falou sobre ela nas redes sociais ou, mais especificamente, sobre sua morte. Fabiane, mãe de dois filhos, 33 anos, foi linchada por moradores do bairro Morrinhos IV depois de confundida com uma sequestradora de crianças quando voltava para casa, na cidade paulista de Guarujá. A agressão foi devidamente registrada em fotos e vídeos que viralizaram nas redes sociais

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Patrícia Lauretti/Jornal da Unicamp

ju 670 p12 d e temporarioO motivo da “confusão” dos linchadores: uma postagem em uma página noticiosa da cidade, no Facebook, que divulgava um retrato falado da suposta sequestradora, que estaria fazendo vítimas na cidade. Mais tarde soube-se que nem mesmo o desenho correspondia à denúncia. Tratava-se de um retrato feito dois anos antes, no Rio de Janeiro, relacionado a outro caso. Tratava-se de um boato. Sempre houve boatos, é certo, sempre houve linchamentos, mas as redes sociais são novas. E por redes sociais entenda-se potência, tudo elevado ao quadrado.

Neste caso um boato, que começou na rede, teve consequên­cias trágicas fora dela. Outras vezes, ocorre o inverso. Algum acontecimento do mundo “real” que vai parar no virtual, mas que também resulta em consequências para os envolvidos. São ocorrências do que a própria mídia chama de “linchamento virtual”, que pode resultar em morte ou dano físico, como no caso do Guarujá, ou moral, como foi o caso de Justine Sacco.

Diretora sênior de comunicações em uma empresa norte-americana, prestes a embarcar para sua viagem de férias à África do Sul, Justine postou no Twitter: “Estou indo para a África. Espero que eu não pegue Aids. Brincadeira. Eu sou branca! ”. Quando desceu do avião, sua mensagem já era o assunto mais comentado entre todos os usuários da rede. Ela não pode se hospedar no hotel sob ameaça de que se o fizesse os funcionários entrariam em greve, perdeu seu emprego e luta – até agora – para ser esquecida.

Uma reflexão sobre o tema realizada pela pesquisadora Karen Tank Mercuri Macedo supõe que há uma série de contradições, ou paradoxos, envolvidos nos linchamentos virtuais. São essas contradições que funcionariam como engrenagem para as relações sociais mediadas pelas Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs). Karen, que também é e funcionária da Faculdade de Tecnologia (FT) da Unicamp, definiu algumas delas em sua abordagem: público e privado, virtual e real, liberdade e controle, prazer e poder justiça popular e justiça institucional, liberdade de expressão e crime contra a dignidade humana.

ju 670 p12 f temporarioA dissertação “Linchamentos virtuais: paradoxos nas relações sociais contemporâneas”, orientada pela docente Carolina Cantarino Rodrigues, foi defendida no programa de Mestrado Interdisciplinar em Ciências Humanas e Sociais Aplicadas na Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) de Limeira. “O conjunto de questões mostra como as práticas e eventos relacionados ao linchamento virtual põem em xeque aquilo que habitualmente pensamos a partir das oposições entre virtual e real, público e privado, etc. Por isso preferimos utilizar a preposição “e” em vez de “versus” para demostrar que ocorrem de modo simultâneo”.

Os casos pesquisados por Karen foram reproduzidos em matérias jornalísticas on-line nos últimos dois anos e também no livro Humilhado: como a era da Internet mudou o julgamento público, do jornalista britânico Jon Ronson. Reunidos em um blog, de autoria de Karen, oito foram selecionados para a dissertação e usados para ilustrar os paradoxos, analisados de forma interdisciplinar, envolvendo conceitos da Filosofia e das Ciências Humanas e Sociais.

Além dos casos Justine e Fabiane, foram reunidos: o caso de nordestinos alvos de intolerância na campanha presidencial de 2014; da norte-americana Alicia Ann Lynch, que publicou no Twitter uma fotografia onde aparecia fantasiada para uma festa como “vítima da maratona de Boston”; o caso da bancária Fabíola, que foi filmada num motel em episódio de traição e teve o vídeo disponibilizado na internet; o caso de um suposto agressor de mulheres, exposto num blog feminista; o caso de uma enfermeira em Tiradentes (MG) que foi filmada num posto de saúde numa atitude grosseira contra os usuários; além do caso do professor Idelber Avelar, acusado de assédio.