Separação de votações enfraqueceu entendimento de improbidade
O professor adjunto e coordenador de Graduação em Direito da FGV, no Rio de Janeiro, Thiago Bottino, disse que ao separar as votações do impeachment e da manutenção dos direitos políticos da presidenta cassada Dilma Rousseff, o Senado contrariou a expectativa de que a questão fosse votada de maneira conjunta
Com 61 votos favoráveis e 20 contrários, o plenário do Senado decide pelo impeachment de Dilma Rousseff. |
Segundo ele, a decisão enfraqueceu o entendimento de que houve improbidade por parte da presidenta afastada. “Foi uma surpresa para as pessoas verem o Senado fazer essa separação. A gente fica imaginando o porquê da separação e aí, embora não vá mudar nada, fragiliza um pouco o reconhecimento de que houve de fato um crime ou improbidade, por essas pessoas que votaram de forma diferente”, afirmou.
Para o professor, o presidente do STF, Ricardo Lewandowski, que conduziu o julgamento no Senado, foi provocado por uma questão nova e reagiu no momento, considerando que era um julgamento político e, portanto, caberia ao Senado decidir se haveria o voto em separado. “Ele não estava agindo como juiz, estava agindo muito mais como um árbitro, como uma pessoa que conduz as discussões”.
A atitude de Lewandowski, de deixar que os senadores decidissem, no voto, os efeitos foi uma forma de não se imiscuir na atribuição de outro poder, dado que é um julgamento político – a decisão não tem que ser de um membro do Judiciário. “Dizer não votem significaria limitar o direito de escolha deles [senadores]”, afirmou.
De acordo com Bottino, com a segunda votação, o Senado preferiu não impor todas as consequências do processo de impeachment. “O que o Senado fez foi a opção de um impeachment sem todas as consequências, quer dizer, limitar as consequências daquela decisão de tirá-la. Reforça a ideia de que ‘não queremos que ela seja presidente, porque não tem condição de gerir a nação, porém, não vamos aplicar os efeitos de inelegibilidade, isso é só para quem é culpado, quem foi condenado pela Justiça e não é o que nos move’ ”, comentou.
Thiago Bottino descartou a possibilidade de a separação das votações criar uma jurisprudência, porque o conceito não pode ser aplicado em casos isolados. “Poderia falar que há um precedente, mas não é aquela ideia de um posicionamento reiterado, consolidado, até porque a gente teve dois impeachments com regras diferentes. É muito complicado falar de uma jurisprudência, de um precedente”, informou, lembrando que a separação das duas questões durante o julgamento não chegou a ser suscitada quando o processo começou no STF. O professor contestou a aplicação da Lei da Ficha Limpa para esta situação, porque os conceitos são diferentes.
A doutora em direito público e mestre em teoria do Estado e direito constitucional Silvana Batini, que tem o mesmo entendimento, disse que embora se aplique a outros cargos eletivos, a Lei da Ficha Limpa não pode ser usada em casos de afastamento de presidentes da República, para a interrupção de direitos políticos, porque essa possibilidade não foi incluída nessa legislação, uma vez que estava impressa na Constituição. Mas lembrou que a decisão acabou por provocar uma distorção.
“Com a decisão, o Senado retirou a consequência da inelegibilidade sobre a presidente da República e fez com que o presidente da República fosse o único cargo da República hoje que, sendo cassado, não sofre a consequência da inelegibilidade. Então, houve uma quebra do sistema das inelegibilidades no Brasil”, disse.
A professora acrescentou que, teoricamente, o precedente aberto nessa quarta-feira só poderá ser usado em outro impeachment de presidente da República. “A inelegibilidade, supressão de direito político de deputados cassados, governadores e prefeitos, decorre da Lei da Ficha Limpa e não da Constituição. Embora o sistema das inelegibilidades seja o único harmônico, tem fontes normativas diferentes. No caso de presidente da República, diretamente na Constituição e nos outros casos, na Lei da Ficha Limpa”.
Apesar disso, observou que como houve quebra desse sistema, é de se esperar que seja invocado em questões futuras de cassação de deputados. “É possível que a Câmara queira trazer para si o mesmo poder que o Senado demonstrou e atraiu”, afirmou, destacando que não acredita que isso possa prevalecer juridicamente, mas abre discussão, cria instabilidade e pode implicar mais questionamentos.
Bottino não acredita que possa prosperar no STF qualquer ação de questionamento das decisões do Senado. “O Judiciário tem buscado em todo o processo de impeachment dar o maior espaço possível para o Poder Legislativo. Interferir o menos possível. Mesmo os argumentos processuais não tiveram muito sucesso. Foi como eu vi o Supremo se comportando, deixando a maior parte das decisões com o próprio Legislativo”. Para Silvana Batini, no entanto, como houve uma quebra no rito processual adotado pelo próprio STF, o tribunal pode ter que se posicionar no futuro sobre a questão.
O presidente do PMDB, senador Romero Jucá (RR), disse que o partido não fechou questão na votação que manteve os direitos políticos da ex-presidenta Dilma Rousseff e que os votos de peemedebistas favoráveis à Dilma foram de caráter pessoal. Jucá considerou inconstitucional a decisão do Senado, mas minimizou o fato de correligionários terem optado por não aplicar a pena da perda dos diretos políticos à Dilma. “A hora não é de ficar com raiva devido a algum posicionamento pessoal, mas de construir convergências, buscar os caminhos, corrigir os erros e, a partir de hoje, termos a coragem de mudar o Brasil”, disse (ABr).
Agosto é mês ‘sombrio’ para presidentes no Brasil
O mês de agosto é historicamente um mês sombrio para os presidentes brasileiros e não só para a agora ex-presidente Dilma Rousseff, que teve seu mandato cassado nesta quarta-feira, dia 31, e que deverá deixar a Presidência da República, mas também para outros mandatários que o país já teve. Por 61 votos a favor, 20 contra e nenhuma abstenção, a primeira mulher a ser tornar presidente do país também foi a primeira a ser condenada em um processo de impeachment.
Pelas chamadas “pedaladas fiscais” e a emissão de decretos de suplementação orçamentária sem autorização do Congresso, a mineira, afastada desde maio, perdeu seu cargo, mas pode manter seus direitos políticos. Segundo a própria Dilma e seus apoiadores, o processo não se passa de um “golpe”. Agosto também foi um mês difícil para os ex-presidentes Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek. O primeiro comandou o Brasil durante dois períodos: interruptamente entre 1930 e 1945 e entre 1951 e 1954.
No primeiro período, foi instaurado o chamado Estado Novo, um regime totalitário, nacionalista, autoritário e anticomunista. Já no segundo mandato de Vargas, quando foi eleito por voto direto, o “pai dos pobres”, como foi apelidado, continuou com seu caráter populista.
No entanto, acusações de corrupção, medidas polêmicas que desagradavam as elites, incluindo os militares, e o atentado que matou o major Rubens Florentino Vaz e feriu o jornalista da oposição Carlos Lacerda, provocado pelo chefe da guarda pessoal de Vargas, tornaram insustentável o mandato do político. Vargas foi então pressionado a renunciar o cargo pela imprensa e pelos militares e, na madrugada de 23 para 24 de agosto de 1954, se suicidou, deixando uma carta onde dizia a célebre frase “saio da vida para entrar na história”.
Já Juscelino Kubitschek, que foi mandatário entre 1956 e 1961, começou sua carreira na política no início da década de 1930 e passou pelos cargos de deputado federal pelo estado de Minas Gerais, senador por Goiás, prefeito de Belo Horizonte e governador de Minas Gerais. Em 1956, assumiu a Presidência do país com uma proposta desenvolvimentista e o famoso slogan “50 anos em 5”. Além disso, foi o responsável pela construção de Brasília e da mudança da capital federal do Rio de Janeiro para o centro do país, o que fazia parte da sua ideia de desenvolver melhor o interior do Brasil e a integração entre as regiões da nação.
JK concluiu seu mandato com certa tranquilidade e até tentou concorrer a outros cargos, mas não teve muita sorte. Já no dia 22 de agosto de 1976, o ex-presidente faleceu em um acidente de carro na Rodovia Presidente Dutra. O veículo onde Juscelino estava chocou-se com um caminhão que transportava gesso. Ele e o motorista do carro morreram no local. Na época, o ocorrido foi considerado um mero acidente. Porém, o caso foi reaberto com o passar dos anos e, em 2013, a Comissão Municipal da Verdade Vladimir Herzog, em São Paulo, divulgou documentos que comprovaram que o incidente na verdade teria se tratado de um possível assassinato (ANSA).