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Mamadeira contra choradeira

em Artigos
sexta-feira, 03 de junho de 2016

Jacinto Flecha (*)

No discurso de posse do presidente Kennedy, a grande sensação foi esta frase lapidar: Não pergunte o que o seu país pode fazer por você, pergunte o que você pode fazer pelo seu país.

A imprensa mundial repetiu-a em prosa e verso, com todas as cores e molduras. Muitos anos depois de cessadas a euforia e as lamentações, achei a mesmíssima frase enunciada por outro chefe de Estado, mas da França. Clemenceau morreu em 1929, quando Kennedy tinha 12 anos. Tentei vários malabarismos mentais, mas não consegui um meio de culpar o francês como plagiador. Portanto…

O autor da frase não vem tanto ao caso, só me interessa o conteúdo dela. Nas aulas de algum professor de psicologia ou sociologia, ela se misturaria com círculos, quadrados, retângulos, triângulos, setas pra cá e pra lá, traços e sinais gráficos, cores e destaques. E omitiria pelo menos um agente necessário. Vou apresentá-lo, mas antes veremos em que essa frase se liga a correntes ideológicas.

O autor da frase coloca frente a frente dois agentes: 1) o país (no caso, os Estados Unidos, mas poderia ser qualquer outro); 2) o cidadão (o americano, ou qualquer outro). O objetivo de ambos é o progresso. Como está fora de cogitação o progresso sem o trabalho, apontam-se duas opções: ou o cidadão trabalha para o país progredir, ou o país trabalha para o cidadão progredir. Sempre um dos agentes trabalhando para o bem do outro. Ninguém precisa ser muito versado em assuntos ideológicos, para perceber nesse quadro simplista o socialismo e o capitalismo.

Por que não incluir outros agentes? Por exemplo, o cidadão que trabalha para ele mesmo progredir. E a frase Kennedy-Clemenceau seria completada com outra assim: Trabalhe para o seu progresso, e o progresso do país virá atrás (Ora, que sujeito egoísta! Não é politicamente correto progredir desse jeito, ignorando o bem estar dos outros. Os marginalizados e excluídos precisam participar, afinal todos têm o direito de progredir, o país é de todos. Esses acumuladores de riquezas são usurpadores da propriedade e dos direitos…).

Cantilenas como essas repetem-se ad nauseam em assembleias sindicais, encontros de movimentos sociais, discursos de candidatos em eleições, etc. Nada se perde em ignorá-las, pois falta-lhes o vínculo com a realidade. Além disso, todos conhecemos exemplos onde o progresso de um empreendedor beneficia toda a coletividade. Quando alguém instala uma indústria, mesmo pequena, geralmente seu objetivo é produzir, vender e lucrar com isso. Não há nenhum mal em erguer um negócio lícito com o objetivo de lucro. Progride com ele o empreendedor, e já basta isso para ser boa iniciativa.

Mas o fato concreto é que muitos progridem com a criação de empregos ou transitam pelos caminhos criados, outros se beneficiam comprando e usando os produtos da fábrica. Se esse empreendedor desistir, pode progredir em outras coisas, mas deixarão de surgir esses progressos simultâneos na comunidade. Dizem que uma boa imagem vale por mil palavras, portanto vou economizar muitas palavras apresentando-lhe uma boa imagem. Quando você nasceu, não era dono de nada, não tinha nem roupa para cobrir a nudez.

Logo sentiu a falta de algo. Não sabia o que era, e começou a chorar. Direito seu, afinal ninguém é proibido de chorar. Havia por perto pessoas que sabiam das coisas, possuíam bens, e resolveram interromper seu choro e suas caretas, aliviando-lhe o frio. Você deve ter ficado até engraçadinho, pois todos se alegraram e começaram a sorrir. Depois, quando você chorava, alguém lhe enfiava na boca uma mamadeira natural ou artificial.

O espetáculo prosseguiu assim por muito tempo, até as pessoas se cansarem da sua malandragem. Puseram você a andar com as próprias pernas, alimentar-se e vestir-se sozinho, falar em vez de chorar, e assim por diante. Você aprendeu tudo isso e muito mais, tornou-se apto para trabalhar e ganhar seu próprio sustento, e até pensou em economizar para ajudar outros que nasceriam depois. Não lhe parece que valeu a pena o esforço deles, e que o seu esforço será também recompensado? Isto aconteceu com você, e o normal é repetir-se com todos os que nascem. Mas com alguns a coisa segue outro rumo. Qual rumo? Vou apresentá-lo agora.

Aquele início da vida é mais ou menos o mesmo para todos. No entanto, a partir do ponto em que se aprendeu o básico para a sobrevivência, parece que alguns sentem saudade do tempo em que bastava chorar para ter os desejos atendidos. Começa aí a choradeira de marginalizados, excluídos, explorados, despossuídos, abandonados, espoliados, escravizados, subjugados, humilhados, oprimidos… Você acha correto ou justo dar seus bens aos chorões, para aplacar a choradeira? Não lhe parece melhor convencê-los a trabalhar, e até ensinar-lhes o caminho?

Eu também tenho certeza disso, e os chorões o sabem melhor que todos nós. Mas muitos assumiram a inexplicável tarefa de encher a barriga e o bolso dos chorões. Agruparam-se em comunidades de base, movimentos sociais, pastorais de excluídos, PeTelândia, partidos socialistas de várias roupagens, e querem forçar a distribuição de mamadeiras contra a choradeira. Quem paga a conta? Os que trabalham, é claro.

Plantando dá / Não plantando dão / Pra que plantar? / Não planto não.

(*) – É médico e colaborador da Abim/Ag.Boa Imprensa