Mario Enzio (*)
O sujeito que parece ser uma pessoa desonesta ou corrupta pode não ser assim considerado se o seu caráter mostrar o contrário?
Penso haver mais a se considerar.
O termo como é usado no cotidiano é diferente do que a ética de virtudes ou a filosofia clássica o definem. Ter caráter nos dias de hoje pode significar que se parece com um comportamento e se faz de maneira sorrateira o contrário. Pode-se parecer uma pessoa ilibada, toda certinha aos olhos da mídia ou da opinião pública, mas que no seu íntimo está se lixando para o que as regras de boa conduta querem ordenar.
É a pessoa sem vergonha não declarada. A que prefere ficar agindo às escondidas ou influenciando com os que têm poder para que seus resultados sejam garantidos. Aquela que age conforme a sua vontade e prazer, sem se preocupar com as convenções sociais. Age pensando só nela e em seus pares ou amigos mais chegados ou naqueles em que os seus interesses estão focados. Uma pessoa que é capaz de descumprir as leis porque acredita que não será punida.
Aquela que diz à boca pequena que fez errado porque quis. Ou se está fora da lei é só por um pequeno delito ou usa a frase solta: – sou desonesto, e daí? Considerando a conjuntura, penso que não se ouve, nem seria imaginável, que alguém possa se expressar com essa transparência ou sinceridade.
O caráter na visão clássica pressupõe uma retidão de comportamentos em todas as áreas da vida de uma pessoa: na pessoal, social ou profissional. Olhar para uma pessoa, ler um comentário ou ouvir uma conversa de alguém que está na mesa ao lado não nos dá a garantia para saber ou avaliar sobre o seu caráter. Para que se possa identificar melhor o caráter de uma pessoa seria necessário conhecê-la profundamente, pois ao julgar pela aparência não se conseguiria enxergar o verdadeiro caráter. Haveria de se conviver nas miudezas e nos bastidores das revelações antes de qualquer pré-julgamento.
Ainda que os indícios possam ser claros de que a pessoa possa ser um sujeito classificado como de mau caráter, uma conversa solta não revelaria todos os lados de uma personalidade. Mas, há casos que nos espantam pela contradição ou distorção nas avaliações. Mesmo que não sejam precipitadas, têm uma forma de ilustrar o que quero dizer: vide políticos ou acusados de plantão que entram nessas esferas do jogo de pressão, eles são capazes de suportar qualquer tipo de acusação e ainda podem se sair ilesos.
Quando se fala em mostrar ou considerar o que é uma pessoa de caráter numa determinada sociedade, nos leva a outra pergunta: como se pode avaliar o caráter de uma pessoa que vive na contravenção ou no crime? Como numa sociedade de bandidos, numa sociedade de criminosos, em que todos podem ter um comportamento similar. Seriam todos de bom caráter, segundo os seus nobres e firmes propósitos por serem iguais uns aos outros.
(*) – Escritor, Mestre em Direitos Humanos e Doutorando em Direito e Ciências Sociais. Site: (www.marioenzio.com.br).