Os sentidos do “jeitinho brasileiro” em nossa cultura
O “jeitinho brasileiro” é usado para definir tanto as situações positivas como as negativas: a criatividade ao resolver conflitos e até ao falarmos de corrupção
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Valéria Dias/Agência USP de Notícias
Na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, pesquisa apresenta as diversas nuances dos sentidos que o “jeitinho brasileiro” pode ter na cultura brasileira e mostra outras possibilidades de se expressar diante de tais situações. “A ideia é mostrar a existência de outras palavras e expressões que trazem uma maior precisão para o entendimento de um determinado fato”, destaca a autora do estudo, a professora de inglês Valquiria da Silva Moisés.
As palavras que ela sugere são: solidariedade, sobrevivência, habilidade, criatividade, flexibilidade, improvisação, charme, simpatia, malandragem, prevaricação, hipocrisia, flexibilidade moral. Ela ressalta, no entanto, que há uma linha muito tênue entre essas palavras e, por isso, fica difícil estabelecer uma ordem muito rígida entre elas.
A pesquisadora se baseou na representação gráfica criada por Livia Barbosa, antropóloga que propõe uma sistematização do “jeitinho brasileiro” a partir de um continuum que vai do favor (positivo), passando pelo jeito (que pode ser positivo ou negativo) até a corrupção (negativo). Valquíria ampliou esse continuum e identificou palavras que poderiam se encaixar nessa sistematização.
Para isso, ela fez um levantamento de vários trabalhos nas áreas corporativa, administração, ciências sociais, letras, literatura, comunicação e semiótica. Foi realizado um estudo léxico (conjunto de palavras usadas em uma língua ou em um texto) levando em conta a semiótica discursiva francesa do linguísta Algirdas Julius Greimas, que “tem o texto como seu objeto e procura explicar os seus sentidos, isto é, o que o texto diz, e os mecanismos e os procedimentos que constroem esses sentidos”, explica Valquíria. A pesquisadora também selecionou músicas, textos e até fatos históricos sobre o tema.
Dentre os textos analisados estão a crônica Moça deitada na grama, de Carlos Drummond de Andrade, o conto A carteira, de Machado de Assis; um artigo do jornalista Clovis Rossi sobre fato ocorrido na Holanda, em jantar oferecido pela rainha Beatrix ao então presidente Lula (Jeitinho não basta); e um fato relatado em uma palestra pelo filósofo Mario Sergio Cortella (Linha de produção).
Já as músicas incluem Adoniran Barbosa (Despejo na favela, Abrigo de vagabundos); Ismael Silva (Antonico), Gabriel, o Pensador (Brasa, Pega ladrão, Rap do mensalão) Detonautas (Ladrão de gravata); MV Bill (Falcão); Gilberto Gil (Toda menina baiana); Luiz Gonzaga (Daquele jeito); Roberto Carlos (Jeito estúpido de amar); Braguinha (Vai com jeito), Toquinho (Castigo não); Chico Buarque (O que será?), Rock Roach (Jeitinho brasileiro), entre outras.
Como fato histórico, a pesquisadora cita uma passagem da Segunda Guerra, quando a Força Expedicionária Brasileira (FEB) estava na Itália, na cordilheira dos Apeninos, junto com os soldados americanos. Todos sofriam com a neve, o frio intenso e a chuva, mas ocorriam muito mais baixas entre os americanos do que de brasileiros. “Os brasileiros forravam as botas com folhas de jornal e, com isso, padeciam menos. Já os americanos ficavam esperando alguma solução vinda dos seus superiores e padeciam mais, apesar de estarem habituados às baixas temperaturas”, explica. Este “jeitinho” pode significar sobrevivência, improvisação ou criatividade. Ou todas elas.
Na escala entre favor e corrupção, Valquíria aponta a música Antonico como um exemplo de favor (solidariedade): “Ôh Antonico vou lhe pedir um favor / Que só depende da sua boa vontade / É necessário uma viração pra o Nestor / Que está vivendo em grande dificuldade”. No outro extremo, o da corrupção, está Jeitinho brasileiro (flexibilidade moral): “É tão fácil se fazer de injustiçado / Quando é você que está sendo explorado / Mas se estiver com o poder na mão / É o primeiro a fazer uso da exploração”.