52 views 13 mins

A nova face da transformação digital da Indústria 5.0

em Destaques
quinta-feira, 05 de dezembro de 2024

Gustavo Brito (*)

Existem transformações que são disruptivas, mudando completamente as regras do jogo e levando negócios a dar saltos de competitividade (e outros a desaparecer). Essas são raras. E existem transformações que são “correções de rota” de transformações anteriores, acelerando o desenvolvimento tecnológico sem, necessariamente, tornar obsoleto tudo o que veio antes.

Em todo o mundo, diversos setores industriais estão vivendo esse último tipo de transformação. É o que vem sendo chamado de Indústria 5.0 e que traz a ideia de que se trata de uma quinta Revolução Industrial. Lamento dizer, mas não é. Só que isso não a torna menos necessária, e nem menos importante para que os mais variados setores da economia continuem sendo relevantes.

Recapitulando rapidamente mais de 200 anos de revoluções na indústria:

  • Indústria 1.0 (ou Primeira Revolução Industrial): mecanização, uso de energia hídrica e de energia a vapor;
  • Indústria 2.0 (Segunda Revolução Industrial): produção em massa, criação das linhas de montagem, uso da eletricidade;
  • Indústria 3.0: computação e automação;
  • Indústria 4.0: adoção de sistemas ciberfísicos.

A chamada Indústria 5.0 é um movimento que surgiu no Japão em 2017 para corrigir decisões que não foram tomadas de forma assertiva na Indústria 4.0. Isso porque a Indústria 4.0 teve como foco trazer uma melhoria para os negócios de base industrial, aumentando o retorno para os acionistas em um cenário no qual o mundo ocidental se via ameaçado pelas indústrias chinesas.

Na Indústria 4.0, tecnologias como IoT, computação em nuvem e manufatura aditiva são desejáveis, mas não se tornaram o paradigma dos negócios – ao contrário do que aconteceu nas revoluções anteriores. E principalmente, faltou colocar as pessoas no centro. Por isso, em minha opinião, a Indústria 5.0 está mais para “4.0.1”: uma atualização da Indústria 4.0, com foco na interação tecnologia + pessoas, e aperfeiçoamentos para trazer mais performance e gerar resultados efetivos para os negócios.

A Indústria 4.0 procurou responder a um desafio muito claro: como criar vantagem competitiva. No setor industrial, por mais bem definidas que sejam as estratégias das organizações, o que sustenta o modelo de negócios é uma máxima eficiência na transformação de matérias-primas em produtos. Hoje, isso se faz não apenas com as ferramentas da Indústria 4.0, mas também (e principalmente) com um novo componente: a Inteligência Artificial (IA).

É por meio da IA que as empresas podem sair do estágio de identificar um problema para prever que ele irá acontecer em algum momento (e atuar antecipadamente para evitar paralisações e perda de performance), por exemplo. Na Indústria 5.0, a Inteligência Artificial é o grande impulsionador dos ganhos de eficiência, confiabilidade e flexibilidade operacional.

A chave para gerar esses ganhos é melhorar a qualidade e impacto das decisões operacionais. Reduzir a latência entre a ocorrência de um evento no ambiente produtivo, e o tempo decorrido da análise desse evento, entendimento do evento, decisão e impacto da decisão, é o que determina a agilidade e eficiência dos negócios.

Com base em dados, monitoramento em tempo real e uso massivo de IA para suportar as operações, é possível reduzir essa latência e gerar organizações industriais mais responsivas, resultando performance melhor e como consequência, vantagem competitiva.

Para que a transformação digital aconteça no setor industrial, as empresas precisam realizá-la envolvendo as principais lideranças. Mais do que a incorporação de novas tecnologias, trata-se de uma transformação da cultura organizacional suportada por tecnologias emergentes.

É um processo que não acontece do dia para a noite e que, na realidade, é a convergência de várias iniciativas que acontecem em diferentes níveis:

  • Digitização: iniciativas que informatizam processos manuais;
  • Digitalização: iniciativas que melhoram processos de negócios a partir do uso de tecnologias digitais.

Em negócios digitalizados é possível realizar a verdadeira transformação digital: o uso de tecnologias emergentes para criar sistemas de negócios, modelos de negócios e experiências para colaboradores e consumidores.

Ninguém faz a transformação digital de uma empresa de uma vez. É preciso percorrer primeiro a digitização de rotinas operacionais, digitalizar as estruturas e processos e, somente então, realizar a transformação digital.

Para isso, é preciso tempo, disposição e uma visão de longo prazo – o que torna ainda mais importante começar o mais rápido possível. Encurtar o ciclo digitização/digitalização/transformação digital também é essencial, pois aumenta a competitividade das empresas. Para isso, é necessário direcionar os investimentos para as iniciativas que geram resultados – e isso tem origem no uso de dados de forma intensiva e estratégica.

A questão é que, na indústria, muitos dados estão disponíveis em fontes distintas, de forma desintegrada. E se conseguirmos passar por essa jornada de dados, obteremos sucesso para atingir os objetivos de negócios, a partir dos recursos da Indústria 4.0, potencializados pela Inteligência Artificial. Outra forma de enxergar a evolução da indústria na transformação digital é confrontar a organização orientada por vieses com a organização data-driven.

A organização que toma decisões baseadas em percepções e vieses utiliza um método que vem se tornando obsoleto – mesmo quando têm dados à disposição. Como essas decisões afetam os indicadores operacionais do negócio, é preciso tomar decisões com base em dados fidedignos, sem viés, para entregar as melhores soluções e experiências para seus clientes.

Aqui está outro ganho enorme trazido pelas tecnologias emergentes que fazem parte do movimento Indústria 5.0 (IA, IoTs e outras): é cada vez mais comum que os dados existam e estejam disponíveis, mas sem qualidade. Sempre que existe uma lacuna de dados, as tecnologias emergentes podem ajudar as empresas a encontrarem as melhores respostas. E com a IA cada vez mais acessível e disponível, faz muito sentido automatizar ao máximo as operações e abraçar o uso de tecnologia.

Em um de nossos clientes, a avaliação das informações de estoque por meio de visão computacional fez com que a atualização do inventário caísse de 24 horas para 60 minutos, com uma assertividade que subiu de 90% para 98%. Especialmente em ambientes hostis ao ser humano, o uso de aplicações de Internet das Coisas (IoT), drones, imagem computacional e sistemas preditivos usando Inteligência Artificial traz uma enorme precisão na coleta e análise de dados.

Não se trata de uma transformação disruptiva como foi a máquina a vapor no século XVIII. Trata-se, isso sim, de uma evolução que gera ainda mais competitividade para negócios já desenvolvidos, tecnologicamente avançados e que buscam um novo salto. Na nossa visão, a tecnologia vem se tornando uma base obrigatória para o sucesso da indústria em um mundo cada vez mais conectado.

Cabe a cada negócio identificar, dentro das tecnologias emergentes disponíveis, quais ajudam no processo de exploração de todo o valor dos dados. Pois são os dados que, quando organizados e estruturados, permitem o uso de modelos de IA baseados em estatística, que eliminam os vieses. Mas por que, então, vemos ainda muitos desafios para a transformação digital dos negócios?

Estima-se que, atualmente, cerca de 70% das iniciativas de transformação digital dos negócios fiquem pelo caminho, sem alcançar os resultados esperados. Essa trágica estatística decorre de 3 grandes fatores:

  • Falta de pessoas no centro: as metodologias e processos precisam ser desenhados para colocar as pessoas no centro das transformações. As mudanças acontecem a partir das pessoas (seus colaboradores), para beneficiar outras pessoas (seus clientes, mesmo internos). Por isso, quem não considerar as diferentes perspectivas das pessoas de dentro e fora da organização nessa trajetória de evolução acabará fracassando.
  • Sustentabilidade: os investimentos em tecnologia precisam levar em conta os objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS) da ONU, mas a maioria dos CFOs não considera essa agenda prioritária na decisão dos investimentos. Mas é possível investir em sustentabilidade e trazer retorno financeiro para o acionista – como no caso de uma grande mineradora, que, usando IA, reduziu os vazamentos em rejeitodutos e minerodutos, subindo o ponteiro de eficiência operacional.
  • Resiliência: resiliência é a capacidade de reação às ameaças e mudanças, seja por meio da adaptabilidade ou pelo combate aos ataques. A resiliência é o que permite a continuidade das operações mesmo em caso de ataques cibernéticos à infraestrutura dos negócios. Empresas resilientes conseguem acelerar sua transformação, pois estão em contínua adaptação e modernização de seus sistemas.

A partir desses 3 pilares da transformação digital, a Indústria 5.0 passa a ter condições de ganhar competitividade, ser mais eficiente em suas operações e entregar mais valor aos acionistas. O uso de tecnologia, nesse sentido, vem a reboque dos pilares, o que mostra que as empresas vivem uma evolução do movimento Indústria 4.0.

A grande pergunta é: como sua empresa tem se movimentado nesse ambiente de transformação digital? Está aumentando competitividade ou está, perigosamente, ficando para trás?

(*) – É diretor da IHM Stefanini (https://www.ihm.com.br/).