Luciana Zanini (*)
Com apenas 14 anos, Laura Dekker contornou todo o planeta navegando sozinha a bordo de um veleiro. A holandesa, que aprendeu a engatinhar no convés, tinha tamanha intimidade com embarcações que, aos 6 anos, decidiu que um dia daria a volta ao mundo – só ela e seu barco.
Esse foi o seu primeiro planejamento de longo prazo. Mas como em qualquer grande plano, o caminho não foi linear. A rota, as estratégias e as condições mudaram inúmeras vezes antes da partida. Ainda assim, Laura manteve seu destino claro. Ela sabia onde queria chegar.
Os ventos, por sua vez, tinham outros planos. No mar, nenhuma jornada segue exatamente como previsto, e Laura sabia disso. O objetivo era o mesmo, mas ajustar as velas ao longo do trajeto tornou-se essencial para continuar navegando em direção ao seu propósito. Assim, sua jornada não foi marcada apenas pela precisão da rota traçada, mas pela capacidade de responder com agilidade aos ventos contrários e correntes inesperadas.
E é justamente aí que está o ponto: um planejamento rígido nunca teria levado Laura ao seu destino. No mundo dos negócios, a lógica não é diferente. A teoria das “Três Caixas”, do professor Vijay Govindarajan, nos mostra um caminho para lidar com o imprevisível — gerenciar o presente, abandonar o que já não serve mais e criar o futuro de forma contínua.
Parece simples, mas na prática, isso exige uma estratégia flexível, capaz de se ajustar aos ventos contrários sem se desviar do propósito. Essa flexibilidade estratégica, no entanto, não acontece por acaso; ela depende de inúmeros fatores. Ter líderes preparados para lidar com o inesperado, por exemplo, é o básico. São eles que, diante de mudanças, precisam reavaliar suas ações e fazer ajustes constantes sem perder a direção.
E é nesse processo de adaptações e decisões que entra outro fator fundamental: a narrativa corporativa. Em tempos de mudanças voláteis, manter a confiança dos stakeholders requer coerência e clareza. A forma como a empresa comunica suas ações, por exemplo, é essencial para garantir que ajustes táticos não sejam interpretados como falta de direcionamento.
E, claro, nenhuma navegação é solitária. Mesmo Laura Dekker, em sua travessia solo, dependia de uma rede de apoio fora do mar. No mundo corporativo, a interdependência é ainda mais evidente. Criar ecossistemas de parcerias robustos e relacionamentos sólidos não são apenas estratégias. Trata-se de uma questão de sobrevivência em tempos de tamanho dinamismo. Uma empresa que entende isso constrói alianças para ser flexível, sem perder a estabilidade necessária para inovar.
Planejar o futuro, então, não é sobre previsões perfeitas, mas sobre criar uma estrutura que permita adaptação contínua. A estratégia de longo prazo precisa incorporar ciclos curtos de reflexão e ajustes, porque a realidade não para de mudar. E isso não é sinal de fraqueza; é, na verdade, um ato de inteligência. Ter a capacidade de antecipar mudanças e responder com agilidade é o que separa as empresas que prosperam daquelas que apenas reagem.
O êxito, portanto, não é para aqueles que se apegam a planos imutáveis. Laura, sem pretensão, nos oferece uma lição prática sobre o essencial para planejar a longo prazo — propósito firme, flexibilidade na execução e resiliência para se adaptar sem perder a essência. Afinal, o mar sempre recompensa os que conseguem usar os ventos a seu favor.
(*) – É Diretora Executiva de Finanças, Pessoas e Estratégia (CFO) no INHOTIM (https://www.inhotim.org.br/).