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Um olhar crítico sobre a formação de especialistas

em Destaques
quinta-feira, 01 de agosto de 2024

Eduardo Teixeira Costa (*)

O artigo “Como Será o Amanhã da Medicina?”, da Dra. Ludhmila Hajjar, publicado em O Globo, nos leva a uma reflexão indispensável sobre o esgotamento do modelo atual de formação de especialistas no Brasil.

Esse cenário, no entanto, não representa o futuro, mas o presente da Medicina. O descompasso entre o número de médicos que se forma todos os anos e as vagas disponíveis em residência médica é alarmante (a Demografia Médica de 2023 apontou um deficit de 11.770 vagas em 202), provoca uma reação em cadeia que culmina com a falta de especialistas no SUS e deixa à margem uma parcela importante da nossa população.

Essa defasagem é apenas a ponta do iceberg de um problema estrutural que afeta diretamente a acessibilidade dos serviços de saúde no país. Hoje, o Brasil tem mais de 275 mil médicos sem o chamado Registro de Qualificação de Especialista (RQE), que, segundo regra imposta pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), permite ao médico se intitular especialista. Ao desvalorizar a pós-graduação, essa regra desestimula o médico a se qualificar, se aperfeiçoar e se especializar.

A “Prova de Título” que o Conselho oferece como alternativa para registro da especialidade não é um meio de formação, mas uma forma de aferir os conhecimentos do médico. Essa prova foi idealizada, na época, com o objetivo de reconhecer profissionais já experientes e que não tinham feito a então recém-criada residência médica.

Hoje, ao sustentar esta única opção, em detrimento de cursos de pós-graduação regulados pelo MEC, o Conselho sugere, na prática, que o profissional “se vire” para aprender, sem nenhuma supervisão, e depois faça uma prova de título, organizada por entidades privadas.

A concentração dos especialistas com RQE nas grandes capitais do Sul e Sudeste brasileiro é outro problema que precisa ser enfrentado. Mas é importante salientar que não faltam especialistas, o que falta é liberdade para que eles possam atuar. Temos centenas de milhares de médicos que, sem acesso a vagas de residência médica, buscaram nos cursos de pós-graduação, mestrado e doutorado, a qualificação necessária para atuar nas especialidades existentes.

Muitos desses profissionais se qualificaram por meio de cursos em universidades públicas, com cargas horárias e conteúdo programático similares aos da residência e aos cursos oferecidos por sociedades médicas. Impedir que esses médicos anunciem suas especializações é contribuir para que a fila de espera por uma consulta com especialista no SUS aumente ainda mais.

A Associação Brasileira de Médicos Com Expertise em Pós-Graduação (Abramepo) entende que a especialização feita por meio de cursos de pós-graduação credenciados pelo MEC, e que obedeçam a uma série de regras e padrões de qualidade, é uma das maneiras de aumentar o número de especialistas e sua distribuição no país. A Medicina é a única área do conhecimento em que o curso de pós-graduação, o mestrado ou o doutorado, não dão ao médico o direito de anunciar que é especialista.

Esta situação cria uma barreira artificial que impede a ampliação da disponibilidade de especialistas para atender a população. E cria situações distópicas, como a de professores de cursos de residência, que formam especialistas, e que não podem anunciar sua especialidade, já que não têm RQE, obrigatoriedade imposta pelo CFM há poucos anos. A matemática é simples: se a oferta é menor e a procura continua alta, o valor de um bem ou serviço aumenta.

E quem perde com essa situação é toda a população. Manter o número de vagas restrito e o controle de quem pode ser denominado especialista nas mãos de uma entidade privada não é o caminho. Mais que falar sobre os problemas, a Abramepo sugere soluções. Entendemos que a pós-graduação, como em qualquer outra profissão, é um meio de especialização e que pode ser melhor regulamentada com a participação das entidades médicas, MEC e Ministério da Saúde.

A saída está em estipular regras claras, conteúdo programático, carga horária e outras diretrizes para os cursos de especialização validados pelo MEC. E quem deve fazer isso é o governo federal, por meio dos ministérios da Educação e Saúde. Este é um passo fundamental para garantir que mais médicos possam se especializar e atender à crescente demanda por serviços de saúde especializados no país.

(*) – É professor titular da Escola de Medicina e Cirurgia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro e Presidente da Abramepo