Marilyn Hahn (*)
Estratégias de plataforma já são bastante conhecidas em mercados que envolvem música, acomodação e transporte. Empresas como Apple, Spotify, Uber e Airbnb se tornaram líderes nesses segmentos mesmo sem gerar conteúdo, possuir carros ou propriedades. As plataformas são modelos de negócio que criam valor facilitando trocas de oferta e demanda, conectando consumidores e produtores sem ter necessariamente uma cadeia de distribuição linear.
Na indústria financeira, esse modelo chega de forma mais tardia, no início dos anos 2000. Com o desenvolvimento da API economy, a crescente migração da infraestrutura para a nuvem e os novos marcos regulatórios, cresce o conceito de Banking as a Platform, cenário que se baseia na construção de um ecossistema integrado de negócios, no qual múltiplos agentes criam soluções que são ofertadas dentro de um mesmo ambiente.
No Banking as a Service, os bancos disponibilizam seus serviços para a utilização de terceiros; já no Banking as a Platform, além de prestar os serviços, eles também consomem via API produtos financeiros e até não financeiros de outras plataformas.
O neobanco inglês Starling Bank foi um dos vanguardistas desse movimento: nasceu em 2018 como uma plataforma aberta capaz de receber serviços de terceiros como SumUp, Dinghy e iZettle. Hoje, por meio da sua interface, seus clientes já podem consumir os mais diversos produtos, desde assessoria jurídica até crédito, seguros e adquirência.
No Brasil, o Banco Inter lançou em 2019 o Inter Shop, que em apenas dois anos já se torna responsável por gerar cerca de R$ 2 bilhões em vendas. O segredo é que não há quebra alguma de jornada: o consumidor pode comprar uma infinidade de produtos sem sair do super app.
Um dos itens adicionais mais recentemente foi o seguro para pets em parceria com a Petlove. Com a aceleração da expansão para os Estados Unidos, a fintech já possui acordo com estabelecimentos locais para uso de gift cards em lojas como Amazon, Best Buy, Macys e Walmart.
Com a disseminação do conceito de embedded finance, empresas dos setores de telecom, varejo, delivery, entre outros, investiram agressivamente em serviços financeiros, fazendo com que os bancos de varejo fossem forçados a criar estratégias de diferenciação, já que os consumidores começaram a enxergar essas soluções como commodities.
Apesar da crise financeira de 2008, que temporariamente diminuiu o nível de confiança nos bancos, um recente estudo da Ernst & Young mostra que os clientes continuam confiando primariamente nas instituições tradicionais em comparação com outros bancos, já que consideram segurança e credibilidade como dois drivers importantes na escolha de quem vai seguir a jornada com sua vida financeira.
Dessa forma, os bancos tradicionais parecem estar numa posição privilegiada, aumentando o portfólio com a venda de produtos e serviços de terceiros. Assim, além das instituições digitais, incumbentes começam a entrar fortemente no conceito. Na última semana, o Banco BV lançou o seu shopping virtual, com mais de mil lojas no aplicativo com uma empresa de cashback.
A segunda fase do projeto tem como objetivo oferecer compras em lojas especializadas em veículos, aquisição de tags para pedágio e abastecimento, além de opções de vales-presente e recarga de bilhete único. Trazer serviços não nativos para o ecossistema de um banco é algo novo para um mercado tão fechado, mas de alguma forma resolve uma das maiores dores dos incumbentes: a velocidade de lançamento de novos produtos e consequente aproximação com os clientes finais.
O efeito de rede gerado pelo conceito de plataforma traz uma infinidade de dados e comportamentos que antes não eram possíveis apenas com a oferta atual, fazendo com que os produtos sejam cada vez mais personalizados e direcionados, diminuindo o Custo de Aquisição de Clientes (CAC) e trazendo eficiência. Ou seja, produtos que antes demandavam grandes investimentos e anos de pesquisa podem ser lançados em semanas a partir da conexão de APIs de fintechs, insurtechs e outros tipos de empresas especializadas.
O conceito de plataforma parece ser condição sine qua non para o sucesso dos bancos com os clientes finais, mas ainda busca consolidação em outros níveis da infraestrutura bancária. Agora, bancos incumbentes iniciam uma corrida de transformação digital não apenas para lançar plataformas de serviços que possam ser utilizados por terceiros – desde fintechs a empresas de indústrias tradicionais como o varejo, por exemplo – mas também para acelerar suas soluções internas.
A ideia é trazer o conceito, de fato, para todas as camadas de arquitetura por meio de uma plataforma única de core bancário, incluindo cartões e pagamentos que possam ser consumidos por todas as unidades da empresa. Criar uma plataforma interna desse tipo prevê ganho de eficiência e resolve uma grande dor desses bancos: a velocidade no lançamento de novos produtos. Trazer o conceito “fail fast, learn fast” permite que se aproximem da agilidade das fintechs.
Um dos casos mais interessantes recentemente lançado foi o do Bank of America. Após quatro anos e mais de 400 mil linhas de código e 16 mil testes de qualidade realizados, um dos maiores bancos americanos criou uma plataforma de banking unificada, integrando cinco aplicativos distintos: Bank of America, Merrill Edge, MyMerrill, Banco Privado Bank of America e Benefits OnLine.
O novo recurso também inclui ferramentas digitais como LifePlan e Estimador de Patrimônio Líquido, além da assistente virtual do banco, Erica. Outro caso de sucesso “para dentro e para fora” é o do BBVA. O gigante espanhol lançou em 2018 o BBVA API Marketplace, sua solução de Banking as a Service que funciona como um verdadeiro supermercado de APIs. Ao mesmo tempo, na frente da arquitetura corporativa, em conjunto com as soluções de open source da Red Hat, criou uma plataforma global em nuvem automatizada, orientada a dados com recursos de autosserviço.
Essa plataforma permite que os desenvolvedores implantem códigos com facilidade em diferentes regiões, o que acelera o time to market, sem se preocupar com o tamanho do servidor para executar aplicações de produtos críticos do banco, como contratos de cartão de crédito, empréstimos e hipotecas. No Brasil, alguns bancos têm investido em estudos de plataformização da sua arquitetura.
Em um cenário em que o arcabouço regulatório muda de forma acelerada, trazendo novas funcionalidades, mas também novas obrigações, a centralização do desenvolvimento de produtos core vem para facilitar a gestão e governança dos sistemas e da segurança. Essa mudança de arquitetura não é simples, porém necessária para a perpetuidade do negócio no médio prazo, já que oferece aos bancos a capacidade de criar e entrar em novos mercados, focar em outros modelos de negócio e acelerar o crescimento.
(*) – É CRO e cofundadora do Bankly, plataforma de Banking as a Service com sua própria licença bancária (https://www.bankly.com.br/).