Em 2024, a Operação Lava-Jato completa dez anos. Independentemente da maneira como a força tarefa da Polícia Federal está sendo vista atualmente, há quem a demonize e há quem a santifique com o mesmo pendor ufanista. Mas algo parece unânime: a área de Compliance no Brasil pode ser separada entre antes e depois da Lava-Jato. O divisor de águas é nítido para quem atua nesse setor. Os controles que grandes companhias nacionais e órgãos estatais têm agora são infinitamente maiores e mais complexos do que os existentes há uma década, quando foi revelado o esquema de lavagem de dinheiro e de corrupção denominado Petrolão.
Em uma comparação fortuita, a Lava-Jato tem um peso similar no cenário da normatização nacional ao 11 de Setembro de 2001 para o setor da aviação norte-americana (e internacional). A Lava-Jato também pode ser descrita, em uma analogia mais trivial, como o 7 a 1 da Copa de 2014. Nesse caso, sai a tragédia esportiva e entra o caos no âmbito empresarial. Por essa perspectiva, algumas das maiores empresas brasileiras mostraram-se tão vulneráveis para identificar e/ou coibir comportamentos antiéticos de seus executivos que o resultado não poderia ser mais vexatório.
Depois da operação midiática da Polícia Federal ganhar a atenção da imprensa e dos brasileiros, algumas ações concretas foram tomadas pela sociedade. O Legislativo federal criou a Lei Anticorrupção ou a Lei da Empresa Limpa. Essa regulação representou um marco para o Compliance brasileiro e um enorme amadurecimento para o cenário jurídico nacional. As novas regras envolvem não apenas as empresas que negociam produtos e serviços diretamente com o governo, mas todas as companhias do país. Afinal, elas têm responsabilidades fiscais, precisam obter licenças do Estado e interagem com uma infinidade de serviços públicos.
Além disso, as companhias listadas nas bolsas de valores criaram seus próprios códigos de ética e de conduta. A maioria foi inspirada na Lei Sarbanes-Oxley dos Estados Unidos. A partir da gestão de risco para o sistema financeiro, a regulamentação das empresas brasileiras evoluiu com base nas principais leis internacionais de combate à corrupção. Com a Lava-Jato, os empresários nacionais perceberam que não bastava uma área de Compliance com função meramente cosmética e/ou que agradasse à opinião pública. Era preciso resguardar efetivamente as organizações das práticas predatórias, negativas e moralmente questionáveis.
Quanto mais suscetíveis à corrupção e às ações antiéticas de sua equipe, maiores são os riscos de a companhia sucumbir frente às punições do Estado e à ira da opinião pública. Dependendo dos deslizes morais, a reputação da marca pode ser seriamente destruída, e os negócios gravemente prejudicados por vários anos. Não à toa, boa parte das empresas envolvidas com a Lava-Jato precisou trocar de nome e encolheu bastante na última década. Para não enfrentarem esse calvário, os grandes grupos empresariais fortaleceram seus Compliances.
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Denise Debiasi é CEO da Bi2 Partners, reconhecida pela expertise e reputação de seus profissionais nas áreas de investigações globais e inteligência estratégica, governança e finanças corporativas, conformidade com leis nacionais e internacionais de combate à corrupção, antissuborno e antilavagem de dinheiro, arbitragem e suporte a litígios, entre outros serviços de primeira importância em mercados emergentes.