Heródoto Barbeiro (*)
Ela escandaliza a presidência da República. Em uma sociedade conservadora, patriarcal, o que se espera da mulher do presidente da República, no mínimo, é recato.
O comportamento não convencional da primeira-dama abre grandes espaços na mídia e nos comentários da capital do Brasil. A primeira-dama não deve se expor, pois isso pode atingir a imagem do governo e, para isso, precisa se distanciar dos amigos, entre eles escritores famosos. No entanto, ela atua como atriz no teatro, coisa totalmente inédita e descabida para uma primeira-dama. É verdade que ela não tem mandato, não foi eleita, logo não pode interferir nos projetos do governo que o marido dela dirige.
Vez por outra os jornalistas da capital publicam notícias que a decisão do governo sobre este ou aquele tema teve a intervenção dela. O presidente nunca se importa com o que dizem os jornais e as fofoqueiras de plantão, muitas delas invejosas dos vestidos e sapatos da última moda usados pela primeira-dama. Dor de cotovelo, dizem os aliados do presidente.
Não é fácil para a mulher brasileira viver sem o apoio econômico do marido. Essa dependência incomoda a primeira-dama que, apesar de colaborar com órgão de comunicação, não recebe um centavo. O destino das mulheres é se casar e não ficar para “tia”. Afinal, ela tem educação superior, convive com intelectuais e não deixa de dar declarações para os jornalistas. Enfim, tem vida própria sob os olhos complacentes do marido, bem mais velho que a primeira-dama.
A efervescência cultural vivida na capital da República mostra que os tempos mudaram e o comportamento da primeira-dama é um sintoma da ascensão das mulheres na sociedade brasileira. Sua liderança se espalha aos poucos do palácio presidencial às ruas e começa a servir de inspiração para que jovens mulheres da elite comecem a contestar os costumes fechados e obtusos da sociedade brasileira. Mas ela sabe que isso não se faz impunemente. Mesmo o casamento com o velho presidente da República é rotulado pelos oposicionistas como um arranjo político, um autêntico golpe do baú.
A primeira-dama do Brasil não esconde de ninguém que gosta de sambar. Não hesita em convidar grupos populares de música para se apresentarem na sede do governo. Um escárnio com a presidência, dizem os críticos de plantão. A mulher do presidente Hermes da Fonseca, Nair de Tefé, tem origem nobre, mas prefere a cultura popular. Como tem formação artística, acha que as artes podem ser um canal para a ascensão na sociedade machista da Primeira República.
Afinal, o marido dela derrotou Rui Barbosa na eleição em 1910 e isso abre para Nair uma ampla passagem para levar para o mundo da oligarquia política, que domina o Brasil, ideias e comportamentos não comuns na sociedade brasileira. É filha da Belle Époque francesa, uma vez que estudou em Paris e lá aprendeu a desenhar e fazer caricaturas. No Brasil, seus desenhos, críticos, são disputados por jornais e revistas. Não há dúvida de que tem consciência que a partir de sua posição social pode arejar o Rio de Janeiro, que ainda respira o ar que sobrou dos tempos do Império. Afinal, seu pai, Barão de Tefé, foi herói da guerra do Paraguai.
Nair, a primeira-dama se confunde com Rian, a caricaturista abusada e irrequieta que dá um sabor especial ao governo do velho marechal do exército brasileiro, representante das poderosas oligarquias rurais que comandam o Brasil.
(*) É jornalista do Record News, R7 e Nova Brasil (89.7), além de autor de vários livros de sucesso, tanto destinados ao ensino de História, como para as áreas de jornalismo, mídia training e budismo.