Heródoto Barbeiro (*)
Os conservadores temem que manter cassinos e outras casas de jogos ameaça a juventude e a família brasileira.
Associam o jogo à prostituição, ao crime organizado e ao domínio das máfias do jogo. Daí para alcançar os políticos é um passo. Financiamento de campanhas eleitorais, viagens ao exterior para conhecer cassinos em outros países, facilitação de relacionamentos amorosos são as moedas correntes no esforço da liberação de mais um jogo de azar. Afinal, no Brasil, só o Estado pode explorar os jogos de azar e o mais conhecido deles é a loteria.
Na informalidade, ou clandestinidade, é o jogo do bicho, que sempre foi aceito como um mal menor graças às pequenas apostas populares e à credibilidade dos bicheiros de responder honestamente aos ganhadores. A ética é tudo no jogo. Ganhou, leva, mesmo que quebre a banca, mas não quebra o negócio da contravenção. Assim como a loteria estatal diz que ampara instituições de benemerência, os banqueiros do jogo fazem o mesmo. E o fazem, patrocinando escolas de samba, especialmente do Rio de Janeiro.
Legalizar ou não legalizar? O lobby favorável é muito poderoso e rico. Alegam que muitos brasileiros milionários viajam para Las Vegas, Mônaco ou Estoril e deixam lá grandes fortunas. Dão emprego aos croupiers e a toda a cadeia de trabalhadores com jogos no exterior e isso poderia ser usufruído aqui. Os remediados, apaixonados pelos cassinos, gastam menos com viagens de avião e buscam os cassinos do Uruguai e Paraguai. Também contribuem para o desfalque da balança comercial do país.
Ainda que os valores sejam ridículos comparados com o produto interno bruto brasileiro. Mas, já se disse por aqui, o que vale é a versão do fato e não o fato em si. Reportagens amigas, anúncios pagos, merchandisings feitos por celebridades ilustram o cenário de um país com liberdade de jogo. Afinal, joga quem quer, ninguém é obrigado a jogar! Perder o salário do mês é problema do arriscador e de sua família. E é aí que a oposição também se pega! Deixa de lado a questão econômica e passa para a conduta. Não se confia em um funcionário viciado nas maquininhas dos cassinos.
Ninguém esquece da era de ouro dos cassinos, com seus belíssimos salões apinhados de homens de gravata e paletó e mulheres com seus vestidos maravilhosos. É o local da reunião do que se chama high society. Eles apostam nas roletas e nas cartas de baralho nos mais de 70 cassinos em funcionamento. A maior parte deles na glamorosa capital do país. Deputados, senadores, ministros do Supremo, funcionários do alto escalão, governadores e outros representantes do Estado estão sempre presentes. É o local adequado para os conchavos políticos de toda ordem, do pedido de um emprego público ao financiamento de uma obra de grande porte.
Comparado com outras cidades, o Rio de Janeiro é apenas um calouro na exploração dos jogos. Dona Santinha está atenta e pega no pé do marido todos os dias. Carmela Dutra, a primeira dama, é carola e apoiadora da cruzada da Igreja Católica contra o ambiente viciado e de sacanagem dos cassinos. O presidente Dutra, em uma canetada em 1946, para surpresa de todos, fecha as casas de jogos. Há quem diga que além da Santinha, pesa também a lembrança do ditador Vargas, recém deposto. Getúlio adorava um cassino e um charuto.
(*) É jornalista do Record News, R7 e Nova Brasil (89.7), além de autor de vários livros de sucesso, tanto destinados ao ensino de História, como para as áreas de jornalismo, mídia training e budismo.