Dhyego Pontes (*)
Lei Geral de Proteção de Dados uniformizou entendimento sobre o tema em decisão recente do TST
A LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados), que regula o acesso e uso de dados pessoais por parte de empresas dentro do contexto de digitalização da sociedade e do mercado, trouxe uma nova luz para um debate antigo do meio corporativo que envolve a seguinte questão: afinal de contas, é lícito a uma companhia consultar o histórico de crédito de um trabalhador e utilizar essas informações como um dos critérios de contratação em um processo de recrutamento de empregados?
Embora a legislação trabalhista brasileira já contivesse elementos objetivos acerca do tema, a LGPD serviu de base de direcionamento para uma decisão recente do TST (Tribunal Superior do Trabalho), a qual deve tornar mais uniforme a interpretação dos tribunais regionais sobre a polêmica pauta, impondo assim, mais atenção por parte das organizações.
O entendimento do Tribunal Superior do Trabalho
Conduta discriminatória e desvio de finalidade na obtenção de dados. Esses foram dois dos principais argumentos utilizados pelos ministros do TST para proibir a prática de coleta e fornecimento de dados a terceiros (empresas) em processos de recrutamento e avaliação de riscos organizacionais.
A grande inovação da decisão é que ela foi aplicada sobre a empresa que realiza essa mineração de dados – daí o vínculo com a LGPD – e não estava relacionada a uma empregadora específica. Outro ponto importante inclui o fato de que é uma decisão referente a um processo de 2012 e, portanto, tem efeito retroativo em decisões de outros colegiados.
Os próprios ministros, aliás, reconheceram a importância da LGPD no sentido de coibir as práticas de fornecimento de dados de trabalhadores para terceiros, haja vista que, no julgamento inicial do litígio (realizado em novembro de 2018 pela 7ª Turma do TST e confirmado pelo colegiado) o entendimento foi de que proibir tal atividade seria uma violação da livre iniciativa, direito garantido na Constituição Federal – o ato discriminatório, portanto, estaria no mal uso desses dados por parte das empresas contratantes dos serviços de pesquisa de dados.
Com a edição da LGPD, a discussão sobre intimidade e privacidade ganhou, assim, novas camadas e o TST se mostra atento a como esse novo cenário afeta as relações trabalhistas.
O argumento das empresas
Refletindo de modo mais amplo sobre a questão do acesso a dados de crédito de trabalhadores – e o eventual uso de restrições em birôs como SPC e Serasa como critério de análise em contratações –, um dos argumentos utilizados por empresas está relacionado com o direito ao acesso de informações públicas sobre candidatos e empregados, como, por exemplo, no caso dos atestados de antecedentes criminais.
No entanto, diferente dos atestados – cujo interesse pode se fundamentar em razão da natureza de determinados ofícios – a justificativa sobre o uso de informações de crédito, geralmente, não encontra sustentação e ainda dificulta o próprio processo de inserção no mercado de trabalho, haja vista que a maioria dos trabalhadores com problemas de crédito, são de baixa renda e de escassa qualificação profissional, assim como também afeta a organização da vida financeira de trabalhadores desempregados.
Ato discriminatório e risco de penalidades às empresas
Nesse sentido, tanto a CLT como o Código Civil apontam que uma empresa está excedendo os limites de seu direito enquanto empregadora e incorrendo em prática discriminatória quando se utiliza de dados de crédito em processos de contratação – entendimento esse, aliás, que só se reforça por meio da LGPD e que limita também a disponibilização de dados de crédito a terceiros por parte de birôs de crédito.
Assim, para evitar penalidades, é recomendado mais atenção por parte do mercado, o qual deve se adequar a legislação trabalhista do país e as fronteiras da privacidade numa era em que os dados são fontes de poder, mas também de novas responsabilidades.
(*) Dhyego Pontes é Consultor Trabalhista e Previdenciário da Grounds. Com Pós-Graduação em Direito do Trabalho, o executivo possui mais de dez anos de experiência na esfera trabalhista e previdenciária, tanto na área contenciosa como consultiva.