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Más ideias tributárias

em Destaques
segunda-feira, 31 de outubro de 2022

Ana Campos (*)

Não é segredo para nenhum contribuinte que o sistema tributário brasileiro é extremamente complexo e, já na década de 80, o saudoso jurista, Alfredo Augusto Becker nos alertava sobre idiossincrasias de nosso “carnaval tributário”.

A alcunha faz perfeito sentido quando pensamos, por exemplo, que desde que a Constituição Federal foi promulgada, mais de 320 mil normas tributárias foram criadas no país (IBPT) e o fato de que as empresas levam, em média, 1501 horas por ano apenas para calcular e pagar impostos — mais tempo do que em qualquer outro lugar do mundo, segundo o relatório Doing Business do Banco Mundial.

E, além de complexa, a estrutura tributária do Brasil é onerosa, haja vista que, na América Latina, nossa carga de impostos só é menor que a de Cuba. Todo esse cenário, por sua vez, é agravado por decisões políticas e más ideias que, de quando em quando, rondam nosso sistema e tornam menos atrativo nosso ambiente de negócios.
Separei três exemplos de impostos que, longe de contribuir com o fluxo de nossa economia, podem trazer impactos para o avanço do país e ampliar o peso do chamado Custo-Brasil.

  1. – O eterno retorno da CPMF – Desde que foi extinta, em 2007, a volta da cobrança da CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira) é aventada, com diferentes nomes e por diferentes governos, nos corredores da política brasileira. De modo resumido, o imposto a partir de uma alíquota que oscilou entre 0,20% e 0,38% incidindo, de modo geral, sobre movimentações bancárias de diferentes espécies (lançamentos a débito ou a crédito, liquidação de operações etc.).

No debate atual, é válido frisar, uma PEC para o retorno de imposto semelhante a CPMF foi apresentada pelo Instituto Unidos Brasil (IUB) — que reúne diferentes companhias do mercado brasileiro — e serviria como uma espécie de contrapeso para a desoneração permanente da folha de pagamentos (hoje tributada em 20% para empresas e 11% para os trabalhadores).

Mas o fato é que, apesar do alto potencial de arrecadação a CPMF traz, em contrapartida, uma série de prejuízos para o ambiente econômico brasileiro, uma vez que, basicamente, tende a incentivar um movimento de “informalização” das transações de câmbio, uso de dinheiro em espécie, potencial sonegação e diminuição da transparência do sistema financeiro brasileiro.

O impacto também seria sentido diretamente na tomada de crédito — uma das operações financeiras tradicionalmente tributadas pela CPMF — e por seu caráter cumulativo (quanto maior o volume de transações financeiras, maior a incidência do imposto).

Ademais, além de diminuir a atração de investimentos — com o aumento da carga tributária — a contribuição tende a afetar, sobretudo, as camadas mais pobres da população, que seriam penalizadas pelo repasse do valor da CPMF no preço-final dos produtos pelas empresas que, naturalmente, são as que mais transacionam no sistema financeiro tradicional.

  1. – O tal do imposto sindical – Criado na década de 40 e tendo vigorado até a Reforma Trabalhista de 2017, o imposto sindical obrigatório consistia, basicamente, em um dia de salário do trabalhador, cujo valor era distribuído entre sindicatos, federações e confederações sindicais.

A partir da exclusão de sua obrigatoriedade — hoje a contribuição é facultativa — diferentes centrais sindicais pressionam para a volta de algum modelo similar do imposto diante da perda significativa de caixa desses órgãos representativos.

O tema tem voltado à baila do mercado desde 2020, quando foi apresentada uma PEC que chegou a apresentar uma proposta de retorno da obrigatoriedade — posteriormente retirada do texto — e, atualmente, vem sendo debatida no âmbito da corrida presidencial, inclusive com o polêmico debate de revogação da reforma trabalhista.

Em que se pese a importância da representação para os trabalhadores, o modelo da obrigatoriedade — em conjunto com outras distorções do sistema sindical brasileiro, como a unicidade sindical e a consequente impossibilidade de que o trabalhador escolha sob qual sindicato quer se filiar — é mais um fator de ampliação da carga tributária sobre o contribuinte.

E justamente dentro de um período de alta da inflação e diminuição do poder de consumo dos brasileiros. Como parâmetro do peso arrecadatório do tributo, é válido citar que, só em 2017, os trabalhadores brasileiros despenderam mais de 3 bilhões com a contribuição obrigatória.

  1. – ICMS sobre a gasolina – Finalmente, o ICMS sobre a gasolina — que tem sido alvo de debates amplos diante da expressiva alta nos combustíveis ao longo dos últimos meses — é outra ideia tributária controversa que mereceria ser revista diante do seu peso para diferentes setores da economia brasileira, para a logística de distribuição e custo dos transportes.

Objetivamente, o que ocorre é que, embora a alíquota do ICMS seja fixa e percentual, em períodos de alta dos combustíveis — como no recente caso da Petrobrás — toda a composição do preço da gasolina sofrerá um aumento ainda mais gravoso que afeta o dia a dia dos brasileiros. Tão por isso, propostas vêm sendo discutidas na Câmara com o intuito de redução do ICMS sobre combustíveis e eventual compensação para os Estados.

. Conclusão – O efeito de um tributo, usualmente, não é localizado e gera impactos em cadeia que, quando não previstos e planejados, podem prejudicar todo o ambiente econômico de um país. O melhor para o país, nesse sentido, seria que retomássemos outra pauta antiga: a de uma reforma tributária estrutural, ampla, que realmente reduzisse a complexidade e custos do nosso sistema, e sobretudo, que impusesse limites ao nosso “carnaval tributário”.

Por hora, devemos ficar vigilantes quanto às más ideias que não cessam de surgir ou de ensaiar ou indesejado retorno.

(*) – É especialista em Aquisições e Reestruturações e sócia fundadora da Grounds (https://grounds.com.br/).