Renato Martinelli (*)
A vontade de virar líder pode ser muito grande, mas quando você alcança essa primeira posição de gestão, irá perceber que o cenário é diferente do que você imaginou e que essa experiência vai ser marcante, para o restante da sua carreira.
Quando fui estagiário, confesso que achava relativamente fácil o trabalho dos gestores na época (bota ingenuidade nisso). Olhava para alguns gerentes e pensava que era tranquilo ser chefe, pois só via alguns desses gestores raramente, ficam mais em reuniões do que na área, e do pouco tempo que estavam presencialmente em suas mesas, conversam um pouco com a equipe, entravam no notebook da empresa e respondiam e-mails e faziam aprovações no sistema, depois seguiam para outro compromisso ou para uma viagem a trabalho. Uau, que status, que luxo. Viajar com tudo pago pela empresa, com celular, notebook e até carro. Trabalhando pouco e ganhando muito. E quem rala aqui sou eu! Essa história é familiar, já pensou em algo assim? Eu já, até que veio um choque de realidade, virei gestor anos depois.
Depois de pouco tempo na nova função, me dei conta que as mudanças no meu jeito de trabalhar precisavam acontecer, o que gerou muita insegurança no começo, para mim e sinto que para a equipe também. Claro que no início é necessário um processo de adaptação, como se fosse possível fazer um onboarding para a nova função. Essa prática é adotada atualmente por algumas organizações, do nível gerencial e acima, para que nos 3 primeiros meses, o(a) profissional dedique-se a entender os novos desafios, conhecer as pessoas e os processos, além de conhecer suas metas e estabelecer um plano de trabalho com o time para atingir os objetivos. No caso, bem diferente disso, foi “parabéns, sucesso, agora se vira”.
A história com viés de vítima termina aqui. Esse artigo é deve servir como muro de lamentações. Quero compartilhar os aprendizados dessa experiência e 10 recomendações para novos líderes, fruto de muito estudo, pesquisa, treinamentos e conversas com profissionais que estão nesse momento de carreira.
1- Conheça as pessoas do seu time. Quem elas são, o que pensam, quais são seus valores pessoais e inegociáveis, sua visão de mundo, seus fatores de motivação e sua relação com o trabalho. Sua principal meta é fazer bem a gestão de pessoas, então priorize seu time na construção de uma relação de confiança e alinhe expectativas.
2- Mude o seu jeito de trabalhar, seja um líder e não um ex-funcionário. Na maioria dos casos (seria o seu também?), profissionais são promovidos pelo domínio técnico na função e pelas entregas de qualidade que fizeram durante um determinado tempo. Ou seja, bem mão na massa mesmo. Só que o seu trabalho como líder mudou, não faz sentido continuar com o mesmo foco operacional se a entrega esperada para o seu cargo é outra. Além de você passar a ser um recurso muito caro para fazer o mesmo trabalho, a exigência agora é outra, construir o resultado com o time. Reduza a execução, trabalhe a delegação.
3- Entenda como o time atual consegue alcançar os objetivos desejados. É importante conhecer o nível de habilidade de cada membro da equipe e do time como um todo. Assim, ao analisar os desafios, considere se as pessoas têm competências minimamente suficientes para atuar com um projeto especial, ou trabalhar para atingir uma meta desafiadora. Nem todos estarão no mesmo nível, e individualizar as metas e o monitoramento do trabalho é uma forma de ser o líder que cada indivíduo precisa para evoluir, crescer e entregar as metas, com os aprendizados necessários durante a jornada. E se precisar fazer mudanças na equipe, promova os reconhecimentos, os acompanhamentos e os desligamentos necessários.
4- Compreenda o negócio e como sua equipe contribuem para o todo. Se tem uma coisa que pode acontecer é ficar focado na sua área (exemplos: Finanças, Marketing, Logística, etc) e fazer a gestão de silos. Em outras palavras, você cuida da sua equipe e dos seus processos, como se fosse uma empresa à parte, sem se conectar com as demais áreas e pessoas. Entenda qual é o business da organização, como sua área e processos contribuem para os objetivos estratégicos e atue considerando a interdependência entre as áreas.
5- Saiba que mudanças constantes fazem parte do cenário. Impacto do mercado nos negócios, concorrentes crescendo, cenário político com adversidades, mudança de humor dos acionistas, redução de prazos, mudanças de prioridades. Sem contar mudanças na própria equipe, gente que sai, gente que chega, pessoas que vem de outra empresa, pessoas que são promovidas internamente, gente que vai para a concorrência. A lista não termina aqui, mas já dá apra imaginar que você como líder, ainda mais na primeira experiência, terá pouca interferência nos fatores de mudança e terá que se adaptar (e conduzir seu time) para os novos contextos que se apresentam. Pare de desperdiçar tempo reclamando das mudanças constantes e use o tempo para entender como se adaptar (e rápido).
6- Aprenda a fazer gestão com recursos limitados. Orçamento que não permite fazer todas as iniciativas e projetos. Equipe enxuta, falta gente para cuidar das prioridades do dia a dia e do futuro que precisa ser construído. Prazo de tempo curto para realizar as entregas, com pouco tempo para planejar e executar. Fazer mais com menos é o mantra corporativo. E é nesse contexto que você precisa fazer a mágica acontecer. Afinal, com uma equipe grande e adequada, com orçamento mais que suficiente e bom prazo de tempo para fazer tudo e mais um pouco, o desafio é bem menor e muitos poderiam fazer esse trabalho. O tamanho do desafio (pouca verba, equipe enxuta e prazos apertados) é proporcional a sua capacidade de fazer do limão uma limonada, e também uma caipirinha, uma torta de limão e ainda sobrar limão.
7- Administre conflitos como parte da sua agenda. Desalinhamento de expectativas, opiniões divergentes, interesses conflitantes, prazos que não são factíveis, disputa de ego e poder. São muitos os motivos que geram conflitos nas equipes. Há situações em que o pior a fazer é não fazer nada. Evitar o conflito e não tomar decisões pode ser péssimo. Entenda o contexto, ouça as partes envolvidas, avalie os interesses do cenário e faça algo a respeito. Tem momentos que temos que entrar, tomar decisões impopulares e não conseguiremos agradar todo mundo (e tá tudo bem). Tem horas que é importante acolher, ouvir mais, coletar informações e percepções, de decidir junto com a equipe. Não tem uma receita de bolo única, mas existem caminhos para isso. Além da experiência concreta, ler e estudar sobre gestã de conflitos deve ser uma prioridade, vai por mim.
8- Adapte sua comunicação para cada membro do time. Se as pessoas são diferentes, não fazem sentido se comunicar de forma igual com todo mundo do time. Alguns são mais diretos no assunto, outros gostam do detalhe, para alguns precisa do desenho para entender e assim por diante. Saiba que comunicação não só o que você fala, mas o que o outro entende. Por isso, é fundamental ajustar a sua comunicação para que o outro te compreenda melhor e vocês estejam mais alinhados para os próximos passos (atividades a serem entregues, participação em reuniões e projetos, ações de desenvolvimento, etc). E antes disso tudo, ouça mais, pratique a escuta ativa. Além de coletar informações, você pode identificar sentimentos e emoções na fala. Sua conexão será muito melhor.
9- Cuide do seu tempo e priorize o que é importante. Não faltarão convites para participar de reuniões (algumas desnecessárias), para responder e-mails (muitos deles que você nem precisaria ter recebido) e para conversas informais (aquele café que era para ser rápido e toma um tempo da sua preciosa agenda). Agora te pergunto, onde está o tempo para acompanhar as pessoas de perto do seu time? E para entender melhor os objetivos estratégicos da companhia e negócio da empresa, para conectar com as iniciativas da sua área e a interdependência que existe com os demais departamentos? E o tempo que você deve investir para desenvolver as pessoas do seu time? Percebe que só com essas 3 questões, já deu para perceber que não é possível manter a mesma rotina de execução e querer ser líder? Estabeleça critérios claros para definir o que é prioridade e, a partir disso, organize o gerenciamento da rotina da equipe, reuniões que deve participar, e-mails que devem ser respondidos e de quais conversas participar.
10- O seu exemplo fala mais alto do que suas palavras. Tudo o que você faz ou deixa de fazer comunica alguma coisa para alguém. Aquela resposta mais grosseira, o gesto cordial com a pessoa, a interrupção que você fez no meio da reunião, o reconhecimento que você compartilhou para a pessoa do time na frente de todos. Um dos pontos mais críticos que ainda percebo com frequência é a incoerência entre o que é dito e o que é feito. Não seja mais um líder hipócrita e incoerente, o mundo empresarial é repleto deles e não precisamos de mais um assim. Cuide de suas palavras, ações e movimentos. Sempre tem alguém vendo você, mesmo que seja fora da empresa.
A relação de recomendações poderia ser mais ampla, mas essas 10 recomendações sendo seguidas podem evitar vários problemas e ajudar a construir uma relação muito positiva entre você como líder e seu time. Agora, imagine que se eu tivesse a possibilidade de perguntar à sua equipe que exemplo de líder essas pessoas se inspiram e todos falassem o seu nome, como seria isso para você? Se considerarmos que durante nossa trajetória profissional, teremos mais chefes do que líderes, estar naquele seleto grupo de referências é fruto de muito trabalho nos bastidores. Mas afinal, não queremos ser esse tipo de líder? Bom trabalho e muitos aprendizados nessa jornada de liderança.
(*) É membro dos Empreendedores Compulsivos, Trainer de Comunicação, Propósito e Performance, e tem como foco ajudar pessoas a desenvolverem competências de comunicação para potencializar engajamento e resultados com equipes e clientes. Possui mais de 20 anos de carreira, agrega experiências e conhecimentos em empresas nos setores de Agronegócio, Automobilístico, Alimentos e Bebidas, Comércio, Construção, Farmacêutico e Químico, Financeiro e Seguros, Papel e Celulose, TI e Telecom, Varejo. É especialista em temas relacionados à Comunicação, Liderança, Gestão de Equipes de Alto Desempenho e Gestão de Conflitos, Vendas, Negociação e Articulação de Soluções.