Vinícius Pinheiro (*)
Embora o termo transformação digital não seja novo, inicialmente utilizado pelo MIT e pela Capgemini em 2011, ganhou maior visibilidade com o início da pandemia da Covid-19. Na última década, empresas criaram diversas iniciativas com o objetivo de melhorar o ambiente competitivo através de tecnologia, chamando-as de plano de transformação digital.
Quando a pandemia chegou, a qualidade dessas iniciativas, ou a falta das mesmas, foi testada. Warren Buffet tem uma frase que pode ser aplicada ao contexto, “Quando a maré baixa é que se vê quem está nadando pelado”. Que as empresas foram duramente impactadas em seus planos de transformação digital com a chegada do coronavírus, todos concordamos. Que as organizações precisaram promover a aceleração digital de seus negócios da noite para o dia, também não é novidade.
Mas qual a maior dificuldade de executar um processo de aceleração digital? O que é necessário para se obter sucesso? Penso que alguns executivos ainda relacionem a transformação digital puramente com aplicativos e soluções digitais. Tecnologia é um elemento importante, mas não é o único, e precisamos compreender o contexto mais amplo de mudanças percebidas nos últimos anos.
As expectativas de clientes não param de crescer, intensificando a competição por experiências positivas. Consumidores têm mais opções e maior facilidade de comparação de preço e avaliação de produtos. Uma nova geração de clientes que faz um PIX com dois cliques, em uma transação instantânea, compara essa experiência com outros serviços digitais, mesmo que em contextos diferentes.
Em vários setores, startups possuem maiores condições de competir com os gigantes, fazendo o que Thales Teixeira, brasileiro que lecionou na Harvard Business School, chama de “desacoplamento da cadeia de valor do cliente”. Um bom exemplo seria a competição dos grandes bancos. Antes era uma briga de “rinocerontes” batendo de cabeça com iguais.
Embora ainda acredite que os grandes bancos possuam uma posição de competição favorável, é inegável que estão sendo atacados por “abelhas”. Para cada item do menu do seu home banking, há centenas de startups tentando ganhar algum espaço e, como sabemos, várias estão conseguindo sucesso.
Tecnologias emergentes surgem e ficam cada vez mais maduras podendo afetar fortemente a competição. Não tenho dúvidas que uma organização que utiliza recursos tecnológicos na nuvem, que consegue criar inteligência a partir de dados e automatizar processos com inteligência artificial terá vantagem competitiva sobre a competição.
Adicionalmente, vivemos em um mundo cada vez mais VUCA, acrônimo em inglês para Volatilidade, Incerteza, Complexidade e Ambiguidade. Esse cenário dificulta a capacidade de planejamento de longo prazo e força uma maior habilidade de reação e adaptação. Com base no contexto anteriormente apresentado, é fundamental que iniciativas de transformação digital contemplem mudança cultural, atualização das práticas de estratégia e gestão, e evolução tecnológica.
A mudança cultural é elemento fundamental para fomentar maior capacidade de inovação por meio de ciclos mais rápidos de experimentação e foco no aprendizado constante. A capacidade de entendimento do ambiente e adaptação são imperativos para navegar em mares incertos. Adicionalmente, é imprescindível ser ágil, buscar soluções simples para problemas complexos, ter capacidade para entender o ambiente, experimentar e aprender rápido.
Com mudanças frequentes, o cenário atual oferece vantagens para quem aprende o “jogo”, que muda constantemente, e “move as peças” primeiro. Profissionais devem ser protagonistas e contar com autonomia para tomar decisões e fazer a diferença, ao invés de terem como foco apenas tarefas operacionais.
O cliente deve estar no centro de qualquer decisão, sempre com um olhar especial para a experiência gerada ponta a ponta, ou seja, ao longo de toda a jornada de interação com a empresa ou produto. Em resumo, a transformação digital somente será efetiva se a cultura privilegiar velocidade versus risco, simplicidade versus perfeição e empoderamento versus controle, sempre tendo o cliente como o ator principal e alcançando, assim, a aceleração digital.
Em um contexto de rápidas mudanças, a estrutura, a estratégia, o planejamento e as políticas não apenas diminuem a sua eficácia, mas podem se tornar um obstáculo. O grande desafio é definir um modelo de gestão ágil que conecte a operação com a estratégia. Embora o componente tecnológico não seja o único, acaba sendo fundamental para o processo evolutivo.
Desse modo, todo executivo deveria estar atento em como tecnologias-chaves podem afetar a organização nos próximos anos, se é que já não estão afetando agora. Apontaria as seguintes como as que olharia com mais atenção: análise e ciência de dados, Inteligência Artificial (IA), blockchain, Metaverso e computação em nuvem.
Nessa direção, ao alcançar a aceleração digital, as empresas a utilizarão como uma ferramenta de proteção frente à concorrência, como uma forma de explorar caminhos para melhorar a experiência de clientes e para criação de novas fontes de receita, através de produtos e serviços digitais.
É uma jornada que pode ser complexa, mas acredito ser inevitável e que oferece inúmeras oportunidades. A pandemia aumentou a percepção de necessidade e acelerou o processo de transformação, mas ainda existe espaço para elevar a efetividade das iniciativas oferecendo uma evolução verdadeira para as empresas.
(*) – É cofundador da e-Core (https://www.e-core.com/lt-pt/).