João Alfredo Lopes Nyegray (*)
Há algumas semanas, depois de dias de um isolamento, habitantes de Shanghai, moderna cidade chinesa, gritavam aflitos das janelas de seus apartamentos.
Para o desespero havia inúmeras razões: falta de itens básicos de higiene pessoal, falta de medicamentos de uso contínuo e, até e principalmente, de alimentos. Incontáveis vídeos de geladeiras e armários vazios, crianças chorando e idosos enfraquecidos tomaram as redes.
Como já era de se esperar, a escassez de alimentos gerou aumento nos preços, e a situação piorou muito rapidamente. Num momento em que a agonia atingiu seu auge, e os gritos angustiados geraram um coro de milhares de pessoas, drones tomam os céus poluídos da megalópole ordenando que seus habitantes controlassem seus desejos de liberdade, não cantassem e se afastassem de suas fenestras.
O uso de drones para emitir tais ordens, tal qual a decretação de lockdown sem aviso prévio – impedindo que as pessoas estocassem um mínimo de alimentos e remédios –, é uma mostra não apenas do totalitarismo hi-tech chinês, mas dos novos reféns da pandemia, mais de dois anos após sua eclosão. Alguns dias depois, após incontáveis críticas da comunidade internacional, os chineses distribuíram alguns kits básicos de alimentação para os moradores isolados.
A violação dos direitos mais básicos de seus habitantes, no entanto, não parava ali. A testagem em massa, um dos pilares da tolerância zero ao vírus, separava famílias, retirava bebês dos colos de suas mães; destruia também fisicamente lares diversos ao pulverizar compostos químicos por residências que, após duas semanas, vazias, apodreciam rapidamente. Essa política agressiva nos leva a questionar os números de infectados e mortos divulgados pelo governo chinês.
De janeiro a março, Pequim anunciou um número de mortos por covid-19 maior do que em todo o ano de 2021. Por mais eficaz que o isolamento social, o uso de máscaras, a vacinação maciça e a higiene das mãos sejam no combate à pandemia, o custo humano dos novos reféns do isolamento não é o único. Além da cidade de Shanghai – que abriga a maior siderúrgica e o maior polo de construção naval da China –, a cidade de Shenzhen, ao sul, também passou por políticas semelhantes.
Shenzhen, considerada o Vale do Silício Chinês, é sede de empresas de tecnologia e hoje a terceira maior cidade da China. O lockdown rigoroso em grandes cidades chinesas gerou efeitos que rapidamente se espalharam pelo mundo. Além de um importante centro financeiro, Shanghai concentra um dos mais importantes portos do mundo – que, só em 2021, foi responsável por 27% das exportações chinesas.
Com a abrupta parada nas atividades gerais na cidade, o envio e o recebimento de mercadorias para e do mundo foram interrompidos. O acúmulo de contêineres, em falta por todo o planeta, e a fila de navios para desembarque e embarque de mercadorias, já geram efeitos por toda a cadeia produtiva global. Empresas como a Volkswagen, já paralisaram a produção de automóveis em várias de suas plantas.
O Brasil pode experimentar uma redução momentânea nas exportações de minérios e soja para a China, uma vez que cidades com a produção interrompida, certamente não utilizarão esses itens. Somados aos efeitos econômicos também globais da invasão russa à Ucrânia, os lockdowns na China já prejudicam a economia do mundo todo e escancaram a dependência das cadeias produtivas das cargas vindas da China.
O Brasil, que se desindustrializou nos últimos anos, é altamente dependente de manufaturados chineses, assim como Estados Unidos e União Europeia. A redução dessa dependência não é algo que pode ocorrer rapidamente, e deve fazer parte de um planejamento. Uma das explicações para o meteórico crescimento de Shanghai foi a implantação de Zona de Processamento Econômico de Exportação e Zona de Livre Comércio.
Nesse ambiente, a tributação de atividades industriais é praticamente nula, e o governo facilita a geração e implantação de novos negócios. A esse cenário favorável, soma-se uma infraestrutura de qualidade e o incentivo à educação técnica e universitária. O que nós, brasileiros, estamos esperando para replicar aqui essas iniciativas?
(*) Doutorando em estratégia, mestre em internacionalização, é coordenador do curso de Comércio Exterior e professor de Geopolítica e Negócios Internacionais na Universidade Positivo.