Jamille Barbosa Cavalcanti Pereira (*)
Em algum dia da sua vida você já se viu completamente dominado pela angústia e pela inquietação de não saber o que vai desenvolver na sua vida profissional?
Até bem pouco tempo atrás, esta era uma vivência mais intensa e mais recorrente à vida de jovens em início de carreira, no entanto, cada vez mais pessoas de todas as idades, nos seus mais diferentes níveis de qualificação e de experiências, vivenciam este momento de insegurança e de profundas dúvidas.
As respostas não encontradas por um sujeito sobre o que ele poderá fazer profissionalmente revelam que estas não são simples de obter, não são gerais e nem imediatas. Mas, a complexidade que este questionamento impõe dá margem para algumas reflexões importantes, que podem abrir novas perspectivas e uma nova compreensão sobre esta indagação.
Entre as muitas propostas de reflexões acerca do desenvolvimento profissional, destaco as que foram apresentadas pelos especialistas que fazem parte do Life Design International Research Group, com representantes da Bélgica, França, Itália, Portugal, Suíça, Holanda e EUA. Estes desenvolveram um alerta para todos nós que vivemos no século XXI de que novas referências são necessárias para que tenhamos uma boa adequação ao mundo do trabalho nesta nova era.
Por meio da proposta do Life Design, as dúvidas e os temores profissionais, quando presentes na vida de um sujeito, não são meramente pontuais ou descolados das inquietações existentes nas outras esferas da sua vida. A sensação de estar perdido ou desolado no mundo do trabalho pode ser o reflexo de uma dificuldade maior, que tem a ver com a falta de construção da vida com um sentido maior.
Essa ideia implica em considerar as várias possibilidades de atuação, de participação e de envolvimento em diferentes esferas. As pessoas, na tentativa de serem inseridas no mercado de trabalho, buscam atender às exigências dos cargos existentes nas empresas, sem considerarem os papéis que também desempenham na família, nos estudos, no lazer e na comunidade. Por consequência, quando demitidas, elas se veem perdidas e sem chão.
Neste caso, elas passam a vivenciar não somente o desligamento de um vínculo profissional, mas especialmente o desligamento de si. O desligamento de si a partir do desempenho na esfera do trabalho é compreensível e não é muito pontual na nossa sociedade, pois durante o século XX a adequação e a super dedicação das pessoas às demandas dos cargos existentes nas empresas foram critérios definidores para que fosse criado o senso de direcionamento e de sucesso profissional.
No entanto, no contexto em que vivemos, não podemos mais atribuir tamanha importância para este critério em detrimento de outros, até porque não há como garantir que, em meio às mudanças que estão acontecendo no mundo, os cargos ou as empresas pleiteadas continuarão a existir. Tudo agora é volátil.
Como destacam os especialistas do Life Design, não podemos mais falar do desenvolvimento profissional como se fosse possível falar de uma trilha, de um caminho linear e único, onde há uma sinalização padrão sobre o que é esperado no começo, no meio e no fim desta trajetória.
Atualmente, evidenciamos cada vez mais a possibilidade de uma pessoa poder trilhar caminhos múltiplos, com a realização de miniciclos ou de transições diversas, individualizada e contextualizada, todas ricas em experiências, mas que só se tornam viáveis a partir da flexibilidade de adaptação à diferentes contextos. No entanto, esta flexibilidade não acontece naturalmente, não é um dom ou uma espécie de graça alcançada, pois está atrelada à construção de um conhecimento de si mesmo.
A proposta do Life Design nos leva a pensar no desenvolvimento profissional de uma pessoa a partir da referência que ela tem de si mesma, ou seja, da construção e da atualização constante do seu autoconceito para a realização das suas escolhas e decisões para a construção da vida como um todo. O ato de construir o autoconceito implica entre outras ações fazer algumas perguntas:
“Isto faz sentido para mim? Isto que estou fazendo é viável? Como farei o que pretendo? Com quem devo contar? Onde farei o que desejo realizar? Eu sei quem eu sou e o que quero ser, considerando a família que tenho, a comunidade onde vivo e o lazer que desejo ter?”
Finalmente, para a Life Design, o desenvolvimento profissional não decorre da capacidade do indivíduo de apresentar uma narrativa de trabalho de sucesso, mas da capacidade de apresentar uma narrativa de construção de vida levando em consideração o desempenho de diferentes papéis, a relação com os outros em comunidade, a capacidade de explorar novas experiências, diferentes estudos e de construir novos significados para a construção de “eus” futuros diante de múltiplos contextos.
(*) – É psicóloga, professora adjunta da Universidade Presbiteriana Mackenzie, doutora em Administração e especialista em Neurociência.