Kaline Castagnolli (*)
“Eu sei contar até dez em inglês”, diz a criança, sorrindo, orgulhosa. Embora não saiba, ainda, o que significa falar inglês, sabe que essa é uma grande conquista. O vocabulário adquirido por elas em inglês se multiplica a velocidades astronômicas. Hoje, sabem poucas palavras e alguns números. Em poucos meses, são capazes de formular frases inteiras, com um sotaque tão limpo quanto desejariam ter muitos de seus pais e mães.
Os reflexos da popularização das escolas bilíngues pelo país são cada vez mais notáveis, embora, muitas vezes, essas escolas de fato não se enquadrem nessa denominação. A demanda por escolas que incluam outra língua no currículo dos alunos é gigantesca. Uma consequência da velocidade com que o mundo se conecta e do fato de que a globalização deixou de ser exclusividade do mundo corporativo e está presente em todas as áreas, do consumo à saúde, passando pelo universo acadêmico e pelo lazer.
Incluir programas bilíngues ou de inglês avançado nas escolas tem se tornado uma alternativa menos burocrática e complexa à completa transformação de uma escola em um ambiente bilíngue. E assim, matrizes curriculares que antes contavam com apenas duas aulas de língua adicional por semana, transformam-se para acomodar três, quatro e até cinco períodos diários na grade semanal dos alunos, principalmente no Ensino Fundamental.
As explicações são muitas e vão desde a crença de que é nessa idade que a aquisição de uma língua adicional é feita de maneira mais otimizada e eficaz até a realidade de que o Ensino Médio ainda tem como foco primordial o Enem e os vestibulares. Mas, e a Educação Infantil? A relação entre bilinguismo e neurociência é praticamente direta, embora o cérebro bilíngue ainda precise ser visto de forma mais leve.
Um dos maiores neuromitos é o de que a aquisição de um novo idioma compromete o desenvolvimento infantil. Muito se fala que a criança pode se confundir ou misturar os dois idiomas se alfabetizada com a inserção de duas línguas. No entanto, se as metodologias pedagógicas da escola forem bem estruturadas, o que se nota é o contrário: essa exposição contribui para o desenvolvimento da reserva cognitiva do cérebro da criança.
Isso acontece porque o funcionamento de um cérebro bilíngue se baseia muito mais em raciocínio lógico do que em memória. Em outras palavras, a criança não só – não necessariamente, vai confundir os dois idiomas como também vai usar recursos linguísticos presentes em uma língua para resolver problemas de comunicação da outra. A maior parte das sinapses do cérebro se forma até os cinco anos de idade, com infinitas possibilidades de conexões.
Dos seis aos 12 anos, sinapses não utilizadas acabam sendo descartadas. Por isso acabamos esquecendo coisas que fazíamos muito bem quando crianças. Outro mito é a crença de que, com a aquisição de uma nova língua, apenas as áreas do cérebro relacionadas à linguagem se desenvolvem. Na verdade, esse desenvolvimento ocorre em todas as áreas. Emoções, memórias, raciocínio, tudo melhora quando se aprende outro idioma. Não há, portanto, “cedo demais” quando o assunto é o bilinguismo.
Mesmo que, na Educação Infantil as crianças ainda não conheçam completamente as letras e os números, é importante lembrar que língua e leitura/escrita são coisas relacionadas, mas não necessariamente dependentes. Aprendemos a falar antes de ler. Aprendemos a ler antes de escrever. É nesse sentido que vamos quando queremos iniciar o ensino de uma segunda língua a crianças pequenas.
A associação, as referências e a exposição contínua à língua fazem com que a criança não crie laços apenas neurológicos com a língua, mas também emocionais, com essa intensa atividade cerebral de desenvolvimento de novas sinapses relacionadas ao idioma em questão. O bilinguismo não se relaciona apenas à fluência de dois idiomas, mas também a estar conectado e imerso em uma língua adicional e toda a carga cultural que ela proporciona.
Sujeitos bilíngues têm a capacidade de se identificar e compreender melhor outras culturas, costumes e opiniões – e de se mostrar empáticos com o outro por não classificarem o diferente como estranho, e sim como adição. Por isso, quando a criança sorri e diz que já sabe contar até dez em inglês, o que estamos vendo não é apenas um cidadão bilíngue em potencial, mas um indivíduo potencialmente melhor para o mundo que o cerca.
(*) – É Consultora Pedagógica Key Account do PES English.