Fernando Valente Pimentel (*)
Regras mais estáveis são imprescindíveis, inclusive para o enfrentamento do inesperado, como a pandemia.
Apesar de avanços relevantes nos 200 anos da Independência, em especial na construção do sistema de proteção social mais abrangente dentre os países emergentes com grandes populações, o Brasil segue apresentando problemas crônicos, que limitam seu crescimento e impedem sua ascensão ao patamar de economia de renda alta.
Os obstáculos são conhecidos, como um Estado maior do que o suportável para a Nação, insegurança jurídica, excesso de impostos, burocracia e outros fatores que cerceiam nossa competitividade e aumentos de produtividade. Urge, portanto, estruturarmos um plano eficaz de desenvolvimento de médio e de longo prazo. Teremos um ano politicamente ruidoso, devido às eleições de outubro, para deputados estaduais e federais, senadores, governadores e presidente da República.
Entretanto, o grau de polarização e, sobretudo, de incontinência verbal do embate partidário e ideológico não deve transcender ao saudável e necessário debate de ideias, que é uma das principais virtudes da democracia. Para esta, que representa o melhor regime encontrado pela humanidade para estabelecer a governabilidade das nações, a postura republicana é fundamental.
Precisamos cuidar para que o tom exacerbado das discussões não crie ruídos intransponíveis e impeça a visão clara sobre alguns consensos prioritários, como a necessidade de o setor público ter as contas equilibradas, gastos e investimentos muito bem dirigidos, para atender às necessidades prioritárias da sociedade. Estado e iniciativa privada devem manter-se sinérgicos na busca do desenvolvimento, sendo que o primeiro deveria trabalhar com grande empenho pelo estabelecimento do melhor ambiente de negócios possível, com o máximo de previsibilidade e segurança jurídica.
O Brasil vem perdendo sistematicamente o bonde da história. Nossa indústria caiu do 10º para o 14º lugar no mundo. A década 2011-2020 foi praticamente perdida e regredimos em termos de renda per capita. É preciso agir e reagir, num ano em que as eleições abrem a oportunidade da apresentação e debate democrático de boas propostas, marcado pelo instigante transcurso do Bicentenário da Independência.
Trata-se de um momento muito propício para projetarmos o Brasil de, pelo menos, vinte anos à frente, com um planejamento eficaz, com as devidas revisões exigidas pela dinâmica nacional e global. Os pilares fundamentais desse processo passam por educação, saúde, segurança, ciência, tecnologia, sustentabilidade ambiental e redução das desigualdades sociais, que são históricas, mas se exacerbaram nesses dois anos da crise da Covid-19. Para o êxito nessas metas, é decisivo o resgate da indústria.
O Brasil não pode ser apenas o país da agropecuária, que tem enormes méritos, mas não conseguirá sustentar sozinha nossa economia. Sem a manufatura, não teremos crescimento do PIB e criação de emprego nos níveis necessários para a inclusão massiva. Estamos entrando em um novo ano, mas tudo continuará igual se não nos dispusermos a promover verdadeiramente os avanços necessários, com uma postura individual e coletiva mais proativa, objetiva e focada na solução prática dos problemas.
O bicentenário também será apenas um marco histórico se não aproveitarmos para fazer um balanço e estabelecermos propostas concretas. É isto que se espera dos candidatos à eleição e reeleição em 2022, em especial dos postulantes à presidência da República e governos estaduais, que devem apresentar planos bem elaborados, exequíveis e consistentes. São necessárias propostas capazes de sensibilizar os representantes das cerca de 30 legendas representadas na Câmara e Senado.
Quanto mais complexo e numeroso for o ecossistema partidário, mais substantivas, viáveis e, portanto, convincentes devem ser as plataformas administrativas. Mesmo com as novas cláusulas de barreira para a representatividade de uma agremiação no Parlamento, continuaremos com número elevado de agremiações nas duas casas. Prefeitos, governadores, presidente da República e parlamentares precisarão, mais do que nunca, ter uma visão clara do futuro e se comunicar muito bem com a sociedade, para levar adiante os projetos prioritários.
Duzentos anos depois do Grito do Ipiranga, precisamos converter a Independência em desenvolvimento sustentável e sustentado, com crescimento mínimo anual de 3% a 4% ao ano, mudando nossa realidade continental, sintetizada no índice Competitividade 4.0, criado pelo Fórum Econômico Mundial. Trata-se de um indicador com 12 pilares, como solidez de instituições, infraestrutura, situação da tecnologia de informação e comunicação, estabilidade macroeconômica, educação e capacidade de inovação.
O ranking tem 142 nações e, mesmo antes da pandemia, só duas da América Latina estavam entre as 70 melhores: Chile (33º) e México (48º). Todas as demais, incluindo o Brasil, encontravam-se entre as 72 piores. Muitos são céticos, diante das turbulências intermitentes de nossa história de dois séculos como povo livre, quanto à possibilidade de nosso país promover mudanças concretas. Contudo, outro marco histórico de 2022 — o Centenário da Semana de Arte Moderna de 1922 — demonstra que somos muito capazes. Afinal, o disruptivo movimento promoveu transformações profundas na cultura, na estética e no pensamento dos brasileiros.
Já passou da hora de acreditarmos no que dizia o poeta, escritor e dramaturgo irlandês Oscar Wilde: “A vida imita a arte muito mais do que a arte imita a vida”. Podemos sim!
(*) – É presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit).