Carlos Baptista (*)
A transformação digital não é mais uma opção. É uma jornada que chegou e, na verdade, não irá terminar porque se trata de um novo modelo de pensamento baseado em adaptabilidade permanente das pessoas e das organizações. A pandemia ensinou as empresas, de um modo mais doloroso, a importância de estar constantemente atentos às mudanças e à necessidade de serem flexíveis.
Durante quase dois anos, a sociedade tem vivido uma realidade de incertezas e imprevisibilidades, sendo passível de compreender que as pessoas e corporações não estavam preparadas para essa realidade e tiveram que se “qualificar” para este novo tempo. Entretanto, antes mesmo da pandemia, algumas empresas já estavam no processo de transformação digital e alguns erros cometidos no passado, continuam sendo praticados, chegando até a se agravar neste momento de aceleração.
Mas de fato quais erros têm impactado diretamente as corporações? Seria uma falta de apoio das lideranças? Ou uma desconfiança exagerada por parte dos executivos e C-levels? Foi uma aposta excessiva apenas na digitalização ou em tecnologias? São perguntas cada vez mais frequentes nas empresas, num esforço de tentar entender os motivos que levam a esses equívocos.
Uma pesquisa feita pela Samba Digital – braço de Transformação Digital da Sambatech – aponta que cerca de 45% das 100 empresas entrevistadas já implementaram uma estratégia neste sentido. Outras 30% já desenvolvem ações para garantir mudanças nessa linha. Ou seja, as organizações entendem essa importância e acreditam que precisam de uma nova abordagem para o tema.
Apesar de toda a consciência em torno dessa verdadeira revolução, outro levantamento mais antigo, da TEKSystems, aponta que a Transformação Digital dá errado em 70% das empresas. Esse triste resultado vai ao encontro do que se ouve da maioria dos profissionais, independentemente do nível hierárquico. Os colaboradores destacam como essa transformação é complexa e muitas vezes demorada, mesmo com investimentos tão elevados.
Inclusive, há registros de inúmeros casos de insucesso de implementação. Assim, a estratégia de evolução acaba por ser abandonada e fica na mera aplicação de tecnologias. Se essa referida transformação é importante, talvez até crucial para a sobrevivência e posicionamento dos negócios, existe a possibilidade de abandonar essa revolução? E por que tem se tornado tão complexa?
Abre-se a necessidade de ter uma visão diferente de todo o contexto e passar a focar em outros aspectos como forma de evitar erros em todo o processo. Por esse motivo, algumas dicas devem ser observadas:
. Digitalização não é TD – Vários estudos apontam que as empresas estão fazendo e pretendem continuar a fazer investimentos em evolução tecnológica. As organizações apostaram todas as fichas em novas plataformas, bots para atendimento ao cliente, canais de venda, infraestrutura em cloud, inteligência artificial, entre outros.
No entanto, nem sempre o impacto foi proporcional ao investimento. A adoção de novas tecnologias é extremamente importante, mas deve ser entendido como um meio para a implementação da transformação digital e não o fim. Além disso, mais do que investir em novas tecnologias, a adoção dessas medidas deve ser medida do ponto de vista do resultado trazido para a organização.
Por exemplo, investir num bot – que virou simplesmente um menu de opções – não gera uma experiência diferenciada, além de que, provavelmente, poderia ter sido resolvido por uma solução mais barata. A adoção de novas tecnologias precisa ser balanceada com a melhoria de experiência que os clientes internos e externos estão percebendo.
. Mudança de Mindset – Para a transformação digital ser efetiva e garantir uma entrega de resultados, a criatividade precisa ser constantemente incentivada em toda a organização. Nos modelos de liderança tradicionais usados durante as últimas décadas, o método “comando e controle” e a especialização por áreas gerou crescimento para as organizações. Em contrapartida, esses modelos geraram pouca autonomia e muita dependência dentro das corporações.
No mundo atual, onde precisamos de organizações mais resilientes e flexíveis, é necessário que a liderança fomente mais participação de todos nas estratégias e propósitos. E isso se aplica em todos os níveis de liderança. Algumas organizações conseguiram desenvolver um novo mindset na média liderança por intermédio de novas contratações ou fusões entre organizações, mas não mudou o da alta gestão.
Isso acaba por travar o processo criativo e consequentemente atrasar a transformação e os resultados. Para que a organização tire os proveitos da Transformação Digital, é imprescindível que o novo mindset da liderança esteja em todos os níveis e os egos pessoais e das áreas não prevaleçam.
. Processos ágeis – A Transformação Digital é um processo constante de mudança e flexibilização. Para que isso seja possível, torna-se necessário a adoção de modelos de execução que permitam acelerar resultados e, acima de tudo, permitam a experimentação. Para tal, devem ser adotadas metodologias como design thinking, métodos ágeis, etc, que irão conduzir a execução para um novo modelo.
As organizações foram construídas com base nos princípios de prever e controlar. Dada a necessidade de versatilidade, isso deve ser revisto e avaliado de um modo diferente. Prever o resultado ainda é crucial, mas deve ser revisto com maior frequência. Existe a necessidade de ter a coragem de refazer drasticamente as previsões com base nos resultados das experimentações.
O mesmo acontece com o ‘controlar’. Mais do que nunca, é preciso medir para controlar, porém, aliando com novas métricas para um novo tipo de problema, como as de satisfação e comportamentais ao invés das tradicionais de produtividade e resultado financeiro.
. Cultura Organizacional – Para que qualquer transformação seja possível e sustentável, as pessoas precisam ser colocadas em primeiro lugar. Além disso, essa revolução fomenta a flexibilidade e, para isso, precisa abandonar o medo do erro para adotar a experimentação. Torna-se necessário desenvolver uma nova cultura organizacional, onde todos são incentivados a testar novas hipóteses. Dado que a estratégia também é compartilhada conforme referido anteriormente, essas hipóteses estarão alinhadas com o propósito da organização e com a estratégia.
Dessa forma, se consegue alavancar o negócio. Isso tudo não significa que o erro seja banalizado. Apenas que o mesmo será entendido como um aprendizado. Paralelamente, também é importante construir um ambiente colaborativo genuíno. Pela colaboração, é possível acelerar resultados e reduzir riscos por intermédio da junção de diversas visões. A Transformação Digital é um processo constante e talvez possa ser simplificado se alguns pilares forem equilibrados simultaneamente.
Não existe uma regra única para todas as organizações, nem nenhum modelo pré-definido que, se aplicado, gerará o melhor resultado. No entanto, existem algumas dicas que podem simplificar e evitar impactos financeiros sem o retorno esperado.
(*) – É professor e coordenador no Núcleo de Seleção de Alunos do MBA da FIAP. Especialista em transformação digital, atua como diretor da A&B Consultoria e Desenvolvimento Humano e é co-criador do Modelo Ágil Comportamental.