Luciana Gouvêa (*)
De acordo com dados recentes do IBGE, mais de 90% das empresas brasileiras são familiares, só que dessas, menos de 30% passam de pai para filho e apenas 5% delas conseguem chegar aos netos dos fundadores, isso porque a sucessão empresarial, ou seja, a passagem do bastão do controle e da gestão das empresas ainda é tabu no Brasil.
O nosso grande problema é a cultura. No Brasil deixamos de receber, tanto a educação financeira, e aí falta entendimento para cuidar dos negócios, do planejamento econômico financeiro das empresas, do sistema financeiro mundial, das finanças pessoais, quanto também nos falta a educação em cidadania, que favoreceria a formação de cidadãos responsáveis, com autonomia, conhecedores e aplicadores de direitos e deveres.
Para mudar essa realidade e aumentar a perpetuidade dos negócios brasileiros é preciso, então, tratar de planejamento sucessório, que tanto pode ser feito relativamente à própria empresa, quanto também pode ser realizado em relação aos bens dos sócios das empresas, servindo para os donos dos negócios, ainda em vida, definirem a forma de divisão do patrimônio da família e a imposição de condições aos herdeiros, inclusive regras para assunção dos negócios da família.
É certo, existem algumas possibilidades melhores do que deixar os bens (empresas, dinheiro, investimentos, imóveis, direitos) para serem inventariados e partilhados em processo judicial, depois do falecimento dos sócios fundadores. Pode ser constituída, por exemplo, uma holding familiar para organização dos bens e determinação de condições aos herdeiros; ou os bens podem ser doados ainda em vida; também pode ser feito testamento, entre outras possibilidades.
Quanto à criação de holding familiar, onde seriam colocados todos os bens integralizados como capital social, as ações e/ou quotas dessa holding, que ainda podem ser doadas aos herdeiros, a finalidade é já distribuir o patrimônio (bens imóveis, investimentos, bens móveis), na forma como a família bem entender, especialmente de acordo com o que for definido pelos donos do patrimônio, os fundadores da holding familiar.
Ademais, é possível aos fundadores da holding familiar distribuir as ações entre os herdeiros sem perder o poder sobre seu patrimônio, doando-as, porque poderá ser incluída cláusula de garantia de usufruto no contrato de doação, dentre outras, valendo esclarecer que o usufruto assegura aos doadores (os fundadores) o direito de votar, ser votado e de participar dos lucros da sociedade.
Ou seja, o usufruto reserva aos fundadores o direito aos rendimentos das ações/quotas doadas; direito aos dividendos que a holding familiar distribuir; direito a ter a vontade dos fundadores respeitada em eventual votação; etc. O planejamento sucessório via holding familiar também propicia aos fundadores que queiram resguardar-se ainda mais, gravar a doação das ações/quotas com outras cláusulas de restrições, evitando assim, a dilapidação do patrimônio a curto e médio prazo pelos herdeiros.
Por exemplo, é possível gravar cláusulas de inalienabilidade, que fazem com que não possam ser vendidas as quotas/ações; cláusulas de incomunicabilidade, que impedem as quotas/ações doadas passarem ao patrimônio dos cônjuges ou dos parceiros dos herdeiros; cláusulas de impenhorabilidade, determinando que nenhuma dívida dos herdeiros possa afetar o patrimônio da holding patrimonial.
Além de outras cláusulas condicionantes, determinando que tal parcela de ações/quotas só estará disponível após a maioridade do herdeiro, ou dos netos, ou subordinando o recebimento das ações/quotas, à realização de determinada “tarefa”. Outro ponto importante relativo à criação de uma holding é que as condições podem ser alteradas futuramente, como proprietário ainda em vida, ou seja, é possível alterar o que ficou definido no contrato social, no estatuto, ou nos acordos de acionistas.
Para que os negócios, e outros bens dos fundadores das empresas, sobrevivam e passem da primeira para a segunda e demais gerações, importante saber que é possível planejar boas estratégias e executar meios para proteção legal desses bens, também para economizar tributos e para concretizar a vontade de seus donos, isso tudo através do planejamento sucessório, por intermédio de especialistas e com base na legislação vigente
(*) – É Advogada, Coordenadora da Tv Nossa Justiça. Diretora Executiva da Gouvêa Advogados Associados e especialista em Mediação e Conciliação de conflitos e Proteção Patrimonial legal.