Flávio Padovan (*)
Desde a invenção da roda, passando pela Revolução Industrial e pela Inteligência Artificial, até a Internet das Coisas, o ser humano sempre esteve no centro da evolução tecnológica. Por isso, a transformação digital diz muito mais sobre uma mudança de mentalidade das pessoas do que meramente a criação ou adoção de novas tecnologias.
Nas empresas, então, esta requer um novo comportamento, focado nas exigências impostas por uma nova realidade, na qual a tecnologia avança mais rápido. O conceito da transformação digital já vinha permeando o universo corporativo, mas essa transição foi acelerada e ganhou protagonismo com a pandemia, que mostrou a importância do digital para a sustentabilidade dos negócios. Os gestores, porém, não estavam preparados para a velocidade dessa mudança.
O que se vê é que o progresso ainda esbarra no desconhecimento das empresas, que sequer criaram estratégias para consolidar a transformação digital, um conceito de destruição criativa, em rede, dos modelos de negócios tradicionais provocada pela maturidade das plataformas digitais. É fato que há incorporações tecnológicas importantes nos produtos, no entanto, muito poucas mudaram a forma como inovam; como trabalham com seus colaboradores, como se relacionam com seus consumidores; como competem entre si e, com outros setores.
Muitas lideranças ainda se sentem perdidas sem saber o que priorizar e o que deixar para trás nesse processo. Nesse sentido, o papel do líder é fundamental para promover as mudanças de mentalidade e implantar a cultura da transformação nas organizações.
Assim, definimos oito elementos, que são os pilares necessários para essa guinada. E tudo, como sempre, começa prioritariamente pelo capital humano:
- – Cultura e pessoas – É a perspectiva do ser humano em relação às mudanças na era digital, tanto no papel de líder/autor das transformações como no de instrumento nas novas configurações das sociedades e dos negócios, com foco em práticas de inovação e empreendedorismo transformador dentro das organizações.
- – Tecnologias – As organizações precisam ir além de conhecer as tecnologias digitais (como IoT, Big Data e IA) para se empoderar delas, pois estas são as grandes habilitadoras e aceleradoras da transformação, e constituem a força da competição.
- – Consumidores – A transformação digital está mudando drasticamente a relação das organizações com seus consumidores. Características que antes eram inerentes exclusivamente a serviços consumidos online hoje são exigidas para todos os produtos e serviços do dia a dia. Tudo precisa estar disponível sob demanda, ter a possibilidade de ser customizável, estar sempre conectado e poder ser compartilhado em qualquer lugar.
- – Concorrência – Na era digital, as fronteiras da competição já não são mais as mesmas. Até as empresas mais diligentes e preparadas podem sofrer com ataques de competidores mais ágeis, inesperados e assimétricos.
- – Inovação – Este quesito tem outros métodos e processos. Saímos de um mundo onde as empresas desenhavam e lançavam sozinhas seus produtos no mercado para um mundo de cocriação e de contínua experimentação, a chamada inovação aberta. A regra é aprender rápido e inovar continuamente.
- – Processos – Esta perspectiva traz uma visão ágil para os processos internos da empresa, colocando o usuário como peça principal. O digital permite que os processos sejam repensados tornando-se orientados a pessoas e não a tarefas. Procura-se entender como as empresas estão propensas a usar tecnologia para reconstruir processos antigos a fim de otimizar, automatizar e, principalmente, transformar a organização.
- – Modelos de Negócio – Agora é o momento certo para repensar o modelo de negócio adotado, principalmente se os resultados não estão bons. A concorrência assimétrica é o principal agente de ruptura de empresas estabelecidas. Isso poque as tecnologias digitais permitem acessar novos mercados e encontrar novas maneiras de crescer. Entender e modelar novos negócios a partir da jornada da transformação digital é essencial para a sobrevivência das organizações.
- – Dados e Ambientes regulatórios – Um dos ativos mais valiosos de uma empresa são seus dados. Saber usá-los é de extrema relevância para a estratégia e tomada de decisões das organizações atuais. Porém, poucas sabem como extrair valor deles e, ao mesmo tempo, assegurar os direitos intelectuais em ativos digitais, a privacidade e a segurança dos consumidores.
Não se trata aqui de ditar regras definitivas. Esses são alguns passos indicados para quem ainda sente dificuldades em lidar com essa reconfiguração do mundo. Acreditar que se trata apenas de seguir as novidades tecnológicas é um equívoco. Isso é algo que acontece desde sempre.
Hoje, o que se requer dos empreendedores e dos colaboradores é uma proatividade para tentar descobrir como utilizar essas mudanças a seu favor. E tudo fica mais fácil se houver uma trilha de aprendizagem organizada.
(*) – Sócio da MRD Consulting, ex-diretor de operações da Ford na América do Sul, ocupou o cargo de vice-presidente na Volkswagen do Brasil e foi presidente da Associação Brasileira das Empresas Importadoras e Fabricantes de Veículos Automotores (Abeifa).