Filipe Monteiro (*)
Não é novidade para ninguém que as questões envolvidas no falado ESG (Ambiental, Social e Governança, em português) ganharam repercussão na mídia e no mundo dos negócios. No entanto, estando no centro das atenções, assuntos tão fundamentais como estes acabam tornando-se apelos de venda para o marketing das empresas, sem necessariamente estabelecerem toda a transformação e incorporação dos conceitos por trás das letrinhas E,S e G.
Uma das principais novidades que o conceito ESG traz é a sustentabilidade atrelada à estratégia da empresa ao longo do tempo ou sua capacidade de gerar valor no curto, médio e longo prazos. Desta maneira, uma empresa que só visa o lucro e não se importa com os impactos que gera em todo ecossistema – clientes, fornecedores, comunidades no entorno, meio ambiente e governo – não se sustenta ao longo dos anos, ou seja, não é sustentável.
Outra novidade que o ESG envolve é o capitalismo de stakeholders. Este modelo, já adotado há 50 anos por países como Suécia, Noruega e Bélgica, tem fomentado a discussão nos últimos fóruns econômicos mundiais como uma saída para as nações que buscam por uma sociedade mais justa, igualitária e que utilize de maneira consciente os recursos.
Neste sentido, diferente do capitalismo de shareholders, ou seja, dos interesses dos acionistas, a empresa não possuí como seu único e principal fim o lucro, mas também tem o seu papel a cumprir perante a sociedade, ajudando no desenvolvimento local e na preservação do meio ambiente.
Ciente desta nova ordem econômica mundial e da pressão do mercado como um todo e dos principais stakeholders, as empresas têm utilizado muito em campanhas de marketing expressões tais como verde, sustentável, orgânico, vegano, entre outras, que, às vezes foram usadas de maneira devida e outras nem tanto.
A ausência de regulações específicas e, principalmente, fiscalização tornam esta temática um campo fértil para a prática dos chamados greenwashing, socialwashing e rainbowashing, que são campanhas publicitárias apontando empresas, e seus produtos e serviços, com baixo impacto socioambiental sem que, de fato, exista alguma evidência sobre isso.
Se pensarmos no cenário brasileiro, essas práticas vêm sendo amplamente discutidas nos últimos dez anos. Em 2011, o CONAR (Código Brasileiro de Autorregulação Publicitária) delimitou que a publicidade não pode enaltecer ou evidenciar características voltadas à sustentabilidade sem que estas informações sejam verídicas e checáveis.
Porém, há práticas de greenwashing em todos os setores. Somente a ONG Two Sides Brazil relata ter identificado, até 2018, 124 casos de greenwashing no Brasil, sendo as maiores concentrações em instituições de ensino e prefeituras.
Já o IDEC (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) realizou um estudo em 2019 com 509 produtos das áreas de higiene e cosméticos, produtos de limpeza e utilidades domésticas e constatou que em 48% dos casos foi identificada a prática de greenwashing, tendo como as principais alegações “não conter CFC (Clorofluorcarboneto)” e “não ser testado em animais”.
Ainda pensando no cenário nacional, podemos destacar o caso da Proteste – Associação Brasileira de Defesa do Consumidor, que alegou a prática do greenwashing nas afirmações dos produtos de montadoras de automóveis por terem um apelo ambiental, como pneus “super verdes” e tecnologias associadas a menor emissão de gás carbônico e consumo de combustível. As montadoras tiveram que alterar os nomes ou as menções às questões ecológicas, pois não foram possíveis de serem comprovadas.
A maior arma do consumidor, nestes casos de propaganda enganosa, é a informação. É aconselhável fugir de informações muito rasas ou meramente qualitativas e buscar nos sites das empresas, em seus relatórios de sustentabilidade ou até mesmo por meio de notícias da mídia, informações efetivas sobre ações ambientais.
Outra grande aliada dos consumidores são as certificações de órgãos sérios e responsáveis, que conseguem transmitir a tranquilidade de que se trata de um produto sustentável, como o Forest Stewardship Council (FSC), conselho responsável pelas normas de certificação de madeiras; o programa ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) de Rotulagem Ambiental, que mede o desempenho ambiental de produtos e serviços no Brasil; o programa governamental Procel, cujo selo atesta o consumo sustentável de energia e o selo IBD Orgânico para certificação de produtos orgânicos.
Por fim, com o surgimento de diversos cursos sobre a temática ESG, com certeza, em um curto ou médio espaço de tempo, podemos esperar uma evolução em termos de mudança cultural e no processo de esclarecimento da população quanto à temática. A população, provida de conhecimento, irá cobrar mais respostas das empresas, tornando-se insustentável a continuidade daquelas que não se adequarem, seja por pressão dos seus clientes, investidores, fornecedores, funcionários, acionistas, governo ou ONGs.
Enfim, todos os stakeholders estarão munidos de informação e discernimento para separar “o joio do trigo”.
(*) – É gerente na ICTS Protiviti, especializada em soluções para gestão de riscos, compliance, ESG, auditoria interna, investigação, proteção e privacidade de dados.