Rogerio Ruschel (*)
Uma revolução silenciosa mas de enorme importância para nossa economia está acontecendo em paralelo à pandemia do coronavirus: a crescente utilização de ferramentas globais de marketing para valorizar a identidade e a origem de produtos locais, pequenos e caipiras.
Estes produtos, como agroalimentos da agricultura familiar, extrativismo, pequenas indústrias locais e regionais e cooperativas, nunca haviam merecido a atenção de empresas, entidades e organizações, mas a mobilização em torno deles foi acelerada por causa da pandemia que gerou campanhas como “prefira produtos locais no comércio local”.
A agricultura brasileira é muito competitiva, mas apenas o agrobusiness de exportação, que representa 77% do valor do setor no Brasil. Os outros 23% do segmento são formados por 22 milhões de pequenos produtores e outros milhares de industriais pequenos e médios que movimentaram 107 bilhões de reais em 2019.
Segundo o IBGE e o Ministério da Agricultura, a agricultura familiar é responsável pela produção de quase 80% dos alimentos que chegam às mesas dos brasileiros – pela nossa segurança alimentar. Pois finalmente estes produtos começam a ser valorizados, seja por causa do potencial Acordo Mercosul X União Europeia que poderá causar grande estrago a nossos produtos agroalimentares despreparados para competir ou pelo impacto econômico causado pela pandemia, especialmente nas pequenas cidades do interior do Brasil, literalmente falidas.
Falidas, sim, mas não defitivamente pobres, porque todas elas têm uma riqueza raramente explorada: o patrimônio do território e da comunidade – patrimonios sociais, culturais, econômicos, ambientais, produtivos e intelectuais. Muitos municípios começaram a perceber o que seus concorrentes europeus fazem há séculos: investem em produtos de base local, cujos diferenciais de marketing têm importância mercadológia.
Por exemplo, em produtos com Indicação Geográfica como o queijo Gruyére, produzido por 36 produtores em um vilarejo suíço de 1.800 moradores e é exportado para 86 países, e o presunto Pata Negra da Extremadura espanhola, que segundo um estudo da União Europeia de abril/2020 podem agregar até 270% a mais de valor em relação a concorrentes comuns.
- Produtos globais nascem pequenos e locais – A idéia do marketing de identidade de perodutos locais é crescer em valor e não em quantidade – um raciocínio que contraria a lógica dos produtos globais, aqueles produtos sem identidade, cujo valor está na produção em escala em vários paises ao mesmo tempo, e cuja gestão de branding é quase que totalmente dedicada a defender a marca de cópias, clones e piratas.
Ao contrário, produtos locais têm valores endógenos que derivam de sua origem, território, modo de fazer ou prática comunitária, de sua história, cultura, herança social que não podem ser trocados, vendidos ou modificados porque fazem parte de sua identidade.
Por isso tem diferenciais e a gestão do marketing deles se baseia em valorizar estes diferenciais exclusivos e inimitáveis como fica mais visível em produtos como vinhos, queijos, azeites, artesanato, embutidos, doces, chás, flores e arte de base local.
Este raciocínio do marketing foi apresentado pela primeira vez no Brasil no meu livro “O valor global do produto local” mostrando que o investimento na valorização da origem e identidade de um produto ou turismo atua como ferramenta de desenvolvimento comunitário sustentável de base local, porque:
· Aumenta a renda dos produtores e a geração de empregos locais
· Impulsiona cadeias produtivas de base local
· Estimula a ação cooperada e a sinergia no aproveitamento dos recursos
· Aumenta a auto-estima da comunidade
· Aumenta a autonomia da comunidade, reduzindo a dependência de ações ou vontades políticas
· Valoriza conhecimentos tradicionais
· Valoriza propriedades rurais, reduzindo o esvaziamento habitacional
· Preserva a biodiversidade e os recursos ecossistêmicos
· Transforma as áreas rurais em locais de consumo
- A teoria, na prática do mercado – John Quelch, ex-reitor da Harvard Business School escreveu um livro inteiro sobre esse raciocínio afirmando que “Para ser global, um produto precisa primeiro ser local; todos os negócios são locais.” Meu ex-chefe na Ogilvy, Sir Martin Sorrel, CEO do Grupo WPP, dizia que “Os valores locas no produto são os aspcetos mais importantes do marketing global”.
Teria mais uma dezena de citações, mas para demonstrar como este conceito se realiza, basta mostrar que corporações como Ambev, Pão de Açucar, Três Corações, Sadia, Carrefour e organizações como CNI e GIFE já estão praticando isso. A Ambev, que tem, só no Brasil mais de 100 marcas, lançou 4 cervejas de aipim, um produto caipira, produzido por 10.000 agricultores familiares em estados do Nordeste. E olha só: ganhou um prêmio internacional de sustentabilidade…
A Sadia, o maior produtor mundial de carne de frangos lançou um produto local para fugir do commodity, o Sadia Bio; um QRCode na embalagem permite que o consumidor saiba de onde vem e como foram produzidos os tais frangos. O maior exportador de cafés do Brasil, a Três Corações investe na marca Rituais Cafés Especiais para agregar valor a um produto que é vendido como genérico, sem diferenciação aparente; agora, tem.
A CNI – Confederação Nacional da Indústria vem realizando uma série de videos que revelam patrimônios escondidos de brasileiros com Indicações Geográficas – IGs em produtos como vinho, café, renda, queijo, arroz, banana, camarão, pedra, cachaça, tecnologia, cajuína, goiaba, café, cacau, uva, biscoito, guaraná.
O GIFE – Grupo de Institutos, Fundações e Empresas, que reúne cerca de 160 associados que investem cerca de R$ 2,9 bilhões por ano em investimento social privado e ações com foco no desenvolvimento sustentável local, recentemente surpreendeu seus palestrantes com uma simpática cesta com produtos pequenos, caipiras e locais – aliás, não produzidos por seus associados.
E para encerrar, não custa listar alguns dos benefícios específicos do marketing de produtos com identidade territorial:
· Evita comparação direta de preços
· Aproveita oportunidades de nicho – cria produtos sem concorrênci
· Ganha espaço e visibilidade nas redes sociais – porque é diferente
· Enriquece o portfólio de ofertas do município – não precisa parar com os produtos convencionais
· Valoriza o território
· Atrai compradores pioneiros que lideram tendências, postam fotos e comentários e são seguidos
(*) – É diretor da Essential Idea Editora, professor e autor do livro O valor global do produto local – A identidade territorial como estratégia de marketing, da Editora Senac, 2019.