Renata Domingues Balbino Munhoz Soares (*)
Segundo Noeline Kirabo, empreendedora social, fundadora e diretora executiva da Kyusa, é possível encontrar uma paixão e torná-la uma carreira. Tanto no segmento fashion, quanto no segmento gastronômico, houve uma expansão de mercado nas últimas décadas. E, independentemente de suas peculiaridades, ambos os setores inspiram paixões e negócios.
Dois ramos lideram o consumo das famílias no Brasil – alimentos e têxteis. É o que mostra uma pesquisa de 2019. Por outro lado, no ano da pandemia do novo coronavírus, os ramos de confecção e alimentação (bares e restaurantes) foram os que tiveram as maiores quedas, respectivamente, 91% e 67%, segundo dados da Infomoney. Por isso, é importante investigarmos mais a fundo esses dois ramos, interdisciplinarmente, como tem feito o OPIM (Observatório de Pesquisa Internacional de Moda).
Como bem retrata Giles Lipovetsky, “a moda não permaneceu acantonada no campo do vestuário”, tem se expandido para outros setores, como design, mobiliário, turismo, hotelaria e gastronomia. Armani não é apenas sinônimo de luxo na moda, está presente em hotéis (Armani Hotel Dubai), cosméticos (Armani Cosmetics) e restaurantes (Emporio Armani Caffè & Ristorante e Armani Dolci).
Se a indústria de alimentos e bebidas representa o maior setor da indústria de transformação brasileira, além de ser o maior gerador de empregos, a indústria têxtil e de confecção é o segundo maior empregador da indústria de transformação, e o segundo maior gerador do primeiro emprego no Brasil.
Mas, afinal, o que estudam esses novos ramos, Fashion law e Gastro law? Apesar de haver uma grande discussão acadêmica sobre essa autonomia, defendemos a relevância de caracterizarmos como dois ramos de especialização por setor econômico, que representam duas grandes indústrias mundiais.
O Fashion law, que tem origem nos Estados Unidos, é um ramo do direito (novo ramo para muitos), que tem em sua base diversas disciplinas jurídicas, somadas às peculiaridades da indústria da moda. Como um produto criativo e manufatureiro, pensamos a moda em duas cadeias – criativa e produtiva (hoje não mais linear e sim circular).
Das criações de designers e estilistas (valem-se da proteção dada pelo Direito de Autor e Direito de Propriedade Industrial), passando pelo processo de produção, distribuição e comercialização (Contratos, Direito do Trabalho, Direito do Consumidor, Direito Internacional Privado, Direito Empresarial, Direito Digital, dentre outros), até o pós-consumo (Direito Ambiental, por exemplo).
Já o Gastro law, também ramo emergente por setor econômico, formado por disciplinas jurídicas e peculiaridades da indústria de alimentos, tem sido desenvolvido na Europa, em países como Espanha e Itália, onde a arte une-se ao ato de cozinhar de forma mais intensa.
Distingue-se do Food law, cujo foco está na saúde pública, na segurança e no consumidor (informações), tendo legislação baseada em dados científicos, competitividade da indústria e responsabilidade civil de fabricantes, produtores e fornecedores; e do Food design, que “identifica composições criativas relacionadas à apresentação dos alimentos e ao resultado da aplicação de técnicas culinárias adequadas à sua transformação em alimentos” (Cristiano Bacchini-Itália).
Para Mariana Bacci, o Food Design ganhou força com a pandemia, especialmente criando soluções para a cadeia do alimento, desde a produção até a experiência final do cliente. “É uma abordagem contemporânea, inovadora e multissensorial de tudo que diz respeito aos alimentos, produção, distribuição, identidade, prazer, nutrição, cadeia de valor e cultura.”Está presente desde o delivery de alimentos, até os clubes de assinaturas, maior facilidade de acesso a ingredientes e até novos formatos de manipulação dos alimentos.
Os experimentos da marca de massas Barilla com impressão 3D mostram essas novas possibilidades. Se o mercado da moda pode ser representado por uma pirâmide fashion, que tem em seu pico a alta-costura e, em sua base, o mercado de massa; no mercado da gastronomia, tal representação pode se destacar, no ápice, pela alta gastronomia e chefs autorais. Partindo da criatividade e inspiração, chega-se na base com a presença de um maior número de cópias, na moda ou nas receitas.
Não só as cópias caracterizam os impactos do setor no direito, mas também os contratos, as parcerias, as políticas públicas. Como exemplo, temos os contratos de confidencialidade (NDA – Non disclosure agreement), em que se protegem informações sigilosas relevantes entre contratantes. Se a pizza tem a patente de sua “borda vulcânica” reconhecida, nada mais adequado do que o “know how” seja preservado. Novas formas de contratar têm sido práticas de ambos os segmentos e muitas delas levando em conta ambos, ao mesmo tempo. Como exemplo, identificamos algumas parcerias (co-branding e ingredient branding).
Dos panetones de luxo da Gucci & Massimo Bottura, até o chocolate Yanomami feito com cacau da Amazônia e ao Bullet Cappuccino entre Vogue & KiCoffee, passando pela pasta Rummo para Fendi. A L´Arrivée, com a pâtisserie Diego Andino, celebram parceria comercial para que o ato de comprar seja uma experiência de prazer.
Para valorizar o que é local, inúmeros movimentos na moda e na gastronomia simbolizam essa tendência. Do “made in Italy” ao “Feito no Brasil” e “Tamojunto”; do “Slow fashion” ao “Slow food, busca-se qualidade, sustentabilidade e justiça social”. O maior exemplo no Brasil desses movimentos é o biocouro do pirarucu, que utiliza o descarte da pele do peixe pela indústria alimentícia, para a confecção de bolsas, calçados e roupas.
Se a ONU indica diretrizes a serem cumpridas na Agenda 2030, se o Fashion Pact pugna por proteção ambiental como anseio de mais de 30 marcas de moda, a gastronomia também dita suas regras – do ato de comer consciente e prazeroso à busca por produtos sustentáveis. Peculiaridades à parte, ambos os segmentos possuem cadeia criativa e produtiva, mercado de luxo e de massa, aspiração por proteção e novos nichos de atuação.
Não é à toa que Fashion law e Gastro law são a nova receita da moda, como já dissemos em outra oportunidade. Mercado em expansão existe, e, academicamente, também já estamos dando os primeiros passos!
(*) – É advogada, especialista em Fashion Law e coordenadora do curso de curta duração em “Fashion law e Gastro law”, da Universidade Presbiteriana Mackenzie.