Vivaldo José Breternitz (*)
Quando o rover Perseverance pousou em Marte no final do mês passado, era lícito imaginar que a Nasa havia utilizado tecnologia avançadíssima para a construção do veículo. Isso é verdade, mas alguns componentes do Perseverance não estão muito distantes do nosso cotidiano: o rover utiliza processadores PowerPC 750, que foram usados no iMac G3, lançado pela Apple há 23 anos, em 1998.
Pouco vendido e conhecido no Brasil, uma característica desse desktop era a tampa traseira colorida e transparente – a expressão “nada de cinza” era utilizada na propaganda da máquina, provavelmente para dar uma alfinetada nos computadores da Microsoft, sua grande concorrente na época.
Se o nome PowerPC soa familiar, provavelmente é porque essas são as CPUs de arquitetura RISC que a Apple usou em seus computadores antes de mudar para a Intel, que agora ela começa a abandonar para usar seus próprios processadores. A arquitetura PowerPC foi desenvolvida conjuntamente pela Apple, IBM e Motorola; era destinada a computadores pessoais, mas foi aperfeiçoada e usada em máquinas poderosas de diversos fabricantes.
O PowerPC 750 é um chipset de núcleo único de 233 MHz; em comparação com as frequências de mais de 5,0 GHz de múltiplos núcleos que os chips de consumo modernos podem alcançar, 233 MHz é algo bastante lento. No entanto, há uma grande diferença entre a CPU do iMac e as do Perseverance.
A BAE Systems fabricou uma versão “endurecida” do PowerPC 750, que foi chamada RAD750, e é protegida contra fatores externos, como ruídos eletrônicos, além de poder operar em temperaturas entre -55 e 125 ºC, que são encontradas em Marte. Cada processador desse tipo custa em torno de US$ 200 mil.
Esses chips não foram escolhidos por razões de ordem econômica, mas sim em função de sua confiabilidade, confirmada ao longo de sua longa vida. Já foram usados pela Nasa em sua nave Orion, lançada em 2014; naquela ocasião, o executivo da Nasa, Matt Lemke, disse a um jornalista: “comparado com o Intel Core i5 do seu notebook, o RAD750 é muito mais lento.
E provavelmente não é mais rápido do que o chip do seu smartphone. Mas a escolha não tem a ver com velocidade, e sim com robustez e confiabilidade”. Essa confiabilidade é atestada pelo fato de o RAD750 estar presente em cerca de 100 satélites, desde aqueles que compõem a rede GPS até meteorológicos e militares, nunca tendo sido registradas falhas.
Mais uma vez somos lembrados que uma tecnologia, apenas por ser muito nova, não é necessariamente melhor do que as que já existem – profissionais devem se precaver contra a paixão irracional por novidades.
(*) – Doutor em Ciências pela USP, é professor da Faculdade de Computação e Informática da Universidade Presbiteriana Mackenzie.