Renata Simon (*)
Você de fato gosta do trabalho remoto? Essa é uma pergunta que tenho feito com frequência às pessoas próximas. Muitas respondem que sim, que o modelo deu a elas a oportunidade de não precisarem mais perder horas no percurso de suas casas para o trabalho e poderem desfrutar de mais tempo com a família.
Tenho escutado muito o argumento de que que a pandemia provou que é possível trabalhar e se relacionar num ambiente profissional remotamente, e que a tecnologia das videoconferências permite reuniões de qualquer lugar de forma eficiente. Se olharmos para as questões pessoais (obviamente tirando da equação a Covid-19), sem dúvida há ganhos no trabalho remoto. Mas, e se olharemos pelo prisma das relações negociais?
São elas, na minha opinião, que têm sofrido mais com o distanciamento social. Me desculpem a simplicidade da análise, porque não afirmo isso suportada por indicadores de mercado e sim pela minha própria experiência nesses longos meses de pandemia. Como advogada de M&A, respiro negociação há quase 20 anos e de todas as negociações que participei até hoje, a negociação virtual é de longe a mais desafiadora da minha carreira.
Em 2019 passei uma semana na Harvard Business School imersa em programação com os melhores professores de negociação da atualidade. Um ensinamento importante que tirei foi que o foco em uma negociação deve ser nos interesses e não nas posições. Para você entender os interesses da outra parte é necessário ter um diálogo claro e fazer perguntas olho no olho com quem está negociando. Aprendi também sobre leitura corporal, que dará insights valiosos na negociação.
Entre os professores estava Deepak Malhotra, autor do livro “Negotiating the Impossible” (Negociando o Impossível). Para ele, independentemente do contexto ou de quais questões estão em jogo, a negociação é sempre, fundamentalmente, sobre a interação humana. Nesse contexto, eu me pergunto constantemente o que fazer com tudo o que aprendemos sobre negociação quando as interações são através de telas de computador? A sensação que tenho é que o distanciamento social colocou uma máscara de proteção nas negociações!
Seja qual for a plataforma usada para as reuniões por vídeo, toda a sensibilidade que existe quando as partes estão presencialmente negociando deixa de existir. O vaievém dos debates da mesa de negociação foi substituído por: “Pessoal, vocês estão me escutando?”, “Jorge, seu microfone está desligado”, “Perdemos a Paula”, “Por favor, coloquem no mudo porque há ruído”. E o emoji da mãozinha? Alguém já viu esse? A princípio seria o mecanismo para alguém pedir a palavra na sala virtual, mas nunca vi alguém ser bem sucedido nessa estratégia.
A cereja do bolo é a câmera desligada. Outro dia fiz uma negociação inteira em que a outra parte estava com a câmera fechada. Nunca cheguei a ver com quem estava negociando. E, para dizer a verdade, nem sei se o interlocutor estava prestando atenção em tudo o que eu dizia. Diante desses novos desafios, o que fazer? Confesso que não tenho uma resposta clara ainda para esta pergunta. Uma parte de mim anseia pelo retorno das negociações presenciais, mas outra tenta se adaptar à nova realidade.
Dito isso, fica aqui o registro de algumas ações que têm me ajudado a sobreviver à negociação virtual:
. Entenda quem é o interlocutor – As conferências virtuais tendem a incluir mais gente do que necessário. É fundamental entender qual nível de abertura de informação você pode dar a depender de quem está na ligação. Além disso, identifique com quem naquele grupo você precisa negociar e o engaje na discussão.
. Ver e ser visto – Apenas ligue a sua câmera depois que você já entrou na sala virtual. Isso é diferente de entrar com a câmera ligada. Mostre para a contraparte que você está ligando a sua câmera. Caso a contraparte esteja com a câmera desligada também, inicie a conversa dizendo que você está ligando a câmera para que possam melhorar a experiência da conversa.
. Prenda a atenção da contraparte – Não raro, as pessoas estão fazendo outras coisas além de estar ali naquela negociação virtual, por isso, prenda a atenção do seu ouvinte. Inclusive, se perceber que a contraparte está fazendo outa coisa enquanto você está expondo seu ponto, simplesmente pare de falar. O silêncio é uma forma de expressão.
. Preparação para a reunião e alinhamento com os seus stakeholders antes de entrar na sala – É fundamental alinhar previamente com os seus stakeholders (como cliente, time, parceiros) qual será a dinâmica, a estratégia e os objetivos da reunião e quem será o interlocutor principal. Evite vários interlocutores, o que confunde a negociação. Além disso, sempre que possível abra um canal de comunicação paralelo com os stakeholders, assim vocês podem validar pontos novos que eventualmente surjam na conversa (WhatsApp tem funcionado).
Não navegue no escuro e não assuma compromissos que você não sabe se todos os seus stakeholders concordam. Se está em dúvida sobre algum ponto, peça para que isso seja tratado mais para o final da reunião ou retomado numa próxima conversa até você conseguir avaliar.
. Paciência para falar – Esse tem sido o meu mantra pare enfrentar as reuniões virtuais. Há uma ansiedade natural das pessoas em falar. A situação me remete àquela brincadeira de pular corda, onde duas pessoas ficavam batendo corda e você tem que entrar no tempo certo. O que tenho aprendido é que esperar é mais eficiente do que interromper. Aguarde a sua hora de falar. As negociações virtuais tendem a ser menos dinâmicas e demandam mais paciência para que a mensagem seja de fato entregue.
Espero que, assim como a máscara de proteção que usamos no nosso dia a dia, as negociações virtuais sejam deixadas de lado quando for seguro retomarmos o convívio social depois da vacina. Mas, caso as negociações virtuais fiquem de vez, precisamos nos adaptar e tentar tirar o melhor dessa nova experiência negocial.
Boa sorte, paciência e acredite que vai passar.
(*) – É sócia do Candido Martins Advogados (www.candidomartins.com.br).