Fernando Henriques (*)
Conta a lenda que, quando sentia que iria morrer, a fênix construía uma pira nos ramos de um carvalho, ou no alto de uma palmeira, com incenso e ervas aromáticas. Instalava-se ali botava fogo em si mesma. Porém, após três dias, a fênix voltava à vida, ressurgindo das próprias cinzas, jovem e poderosa. O mito dessa ave milagrosa nasceu entre os egípcios e, depois, foi incorporado nas culturas grega e de outros povos.
O poeta grego Ovídio em sua obra “As Metamorfoses”, dedicada a textos mitológicos, exalta a única ave que se regenera e se reproduz por si mesma. A fênix representa os ciclos da vida, o renascimento, a vitória da vida sobre a morte, a esperança.
Acredita-se, ainda, que o famoso pássaro mágico tenha uma força extraordinária e um monumental poder curativo, já que suas lágrimas têm o dom de eliminar as doenças.
Em síntese, a fênix incorpora a dialética da criação, onde integração e desintegração se impõem. O fogo destrói aquilo que não é mais necessário. E as cinzas, o que sobrou, originam o novo. A mensagem da superação após tempos adversos é clara, assim como o convite para passarmos a limpo tudo o que se sucedeu, em busca de um recomeço.
A terrível pandemia que assolou o planeta trouxe com ela o fim de uma era. Nós nunca mais seremos iguais e nem o mundo em que habitamos. Chegamos ao momento da fênix. E mesmo que algumas explicações não estejam ainda a nosso alcance, precisamos enxergar que tudo faz parte de um ciclo. Nós acreditávamos que tínhamos as respostas para quase tudo e, na correria do dia a dia, sequer havia tempo de refletir para onde estávamos caminhando e qual seria, afinal de contas, o papel de cada um de nós nesse grande teatro.
Apenas quando tudo parou é que fomos obrigados a olhar o que estava oculto pelo cotidiano frenético. O vírus da covid-19 nos forçou, de repente e sem aviso prévio, a enxergar que agora devemos tentar responder a perguntas diferentes e que precisamos nos desconstruir para nos construir, como faz a fênix.
A sabedoria milenar dessa ave mitológica reflete a esperança de que podemos buscar um futuro melhor para o mundo e para nós mesmos. A mudança deve começar em cada um, para exercer um poder multiplicador. E não há dúvida de que precisamos de novas habilidades para viver o novo ciclo. Mas como fazer isso?
Com o isolamento e a solidão da pandemia, ficamos longe dos amigos e parentes. Mas, ao mesmo tempo, essa condição não está sendo de todo ruim. Ela nos permite falarmos de nós para nós mesmos. Iniciar uma reflexão para o renascimento de um novo ‘eu’. Com novas atitudes, ideias diferentes e valores diversos. É inegável que devemos buscar algo diferente do que foi nossa realidade até então. Porque, o que construímos até fevereiro de 2020, está claro que não funcionou. É hora de fazermos um mergulho em busca da transformação. Essa deve ser a lição extraída a partir da pandemia. Mas, como fazer isso?
Em primeiro lugar, é preciso parar e respirar. Nem sempre isso é fácil, pois, teremos de lutar contra a procrastinação e encarar nossos demônios de frente. É fato que a arrogância, a soberba e as certezas absolutas nos turvam a visão. Buscarmos as zonas de conforto e isso é natural.
Também temos de lutar contra a impulsividade. Reagir rapidamente a um estímulo, sem dúvida, atrapalha nossa percepção. Não é à toa que os monges orientais ensinam, há milênios, técnicas zen de respiração, que levam à sabedoria e à felicidade. Por isso, não tenha pressa em querer respostas. Tudo tem seu tempo. E todo ciclo que vivemos tem um porquê. Para compreendê-lo, é preciso parar e respirar.