Luciana Ribeiro/ANSA
Exposições interrompidas, salas de cinemas vazias, shows cancelados, eventos adiados e cortinas fechadas. As diversas manifestações culturais, principais aliadas da saúde mental, foram duramente afetadas pela pandemia do novo coronavírus.
Dependente de aglomerações, o setor cultural sentiu diretamente o peso das medidas restritivas recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e impostas por líderes de vários países para evitar a propagação da Covid-19.
O doutor em artes e professor de projetos incentivados de cinema da ESPM-SP, Márcio Rodrigo, explica que a pandemia teve um “impacto gigantesco” no setor em todo o mundo, principalmente em relação ao público, porque “a gente não pode se aglomerar” e, com isso, teatros, cinemas e museus fecharam as portas. “Se você vai produzir um espetáculo, um filme, uma série, montar uma exposição, você exige o convívio de muitas pessoas, muitas viagens, muitos contatos dos realizadores e produtores”, afirma.
No entanto, como forma de driblar os prejuízos, o setor precisou apostar na criatividade e se reinventar com a ajuda da tecnologia para mudar a forma de consumo de cultura por parte do público. Desde o início da pandemia, surgiram alternativas como shows e exposições virtuais, espetáculos drive-in, webinars, eventos ao ar livre e mais intimistas, tanto pelo instinto de sobrevivência do setor quanto pela necessidade de interação social.
A internet tem sido crucial para manter o setor “vivo” neste momento crítico, mas também pode deixar como herança uma nova forma de fazer cultura e entretenimento, misturando o presencial e o virtual no ‘novo normal’. “O que vai acontecer é que muita coisa vai ser híbrida. Muitas casas de shows, por exemplo, estão descobrindo que, quando puderem fazer um espetáculo ao vivo, vão vender ingressos também pelo digital. Os espetáculos e shows poderão ser vistos pela internet”, ressalta Rodrigo.
Segundo o professor da ESPM-SP, esse “modelo híbrido veio para ficar, da mesma maneira que o streaming audiovisual já vinha crescendo muito”. Para ele, “a ida às salas de cinema vai ser cada vez mais específica, cada vez mais para cinéfilos, porque o streaming e as plataformas estão se multiplicando e, após a pandemia, vão se consolidar de uma vez por todas”.
Se a cultura foi um dos setores mais afetados pelo novo coronavírus, países que são referência mundial nessa área acabaram fortemente atingidos. “A Itália tem um patrimônio cultural especialmente amplo, então impactou bastante, porque também impactou as pessoas que trabalham em eventos culturais, como na área de patrimônio, porque o país tem uma riqueza de museus, de patrimônio material, que é preservado e valorizado”, relata Michele Gialdroni, diretor do Instituto Italiano de Cultura de São Paulo (IIC-SP).
O país foi o primeiro epicentro da pandemia na Europa e enfrentou um rígido confinamento de âmbito nacional entre março e maio, o que paralisou atividades de entretenimento e cultura. Durante todo o ano, associações do setor protestaram contra o fechamento prolongado de cinemas, teatros, museus e casas de shows. Logo no início da crise sanitária, mais de 7 mil espetáculos foram cancelados, causando um prejuízo de 10,1 milhões de euros, conforme dados da Associação Geral Italiana do Espetáculo (Agis).
O ministro dos Bens Culturais da Itália, Dario Franceschini, chegou a criar um pacote de cerca de 1 bilhão de euros para os setores de cultura e turismo, valor que foi utilizado para indenizar trabalhadores afetados pelas restrições. Ainda assim, a cultura foi forçada a se adaptar à crise e mudar a forma de oferecer arte e entretenimento. “O mundo da cultura na Itália não parou. Ele se transformou. Mudou para o virtual, como no mundo inteiro, com atividades online, diversos modelos de negócios e plataformas gratuitas de conteúdo”, acrescenta Gialdroni.
Durante o período de isolamento, o “Belpaese” apostou em shows, concertos, peças teatrais, desfiles e até festivais por streaming, além de exposições por telefone ou virtuais, com experiências interativas. O Festival de Cinema Italiano, que acontece anualmente no Brasil, também foi transmitido via streaming e pôde ser acompanhado em todo o país. A previsão, inclusive, é de que o formato esteja presente nos próximos anos.
“Nós não queremos abandonar o digital porque atingimos o Brasil inteiro”, revelou Erica Bernardini, diretora artística do evento. Segundo ela, as plataformas online se tornaram uma questão de sobrevivência, principalmente porque muitas pessoas que haviam ficado desempregadas voltaram a trabalhar. Já para o diretor do IIC-SP, “a expectativa é de que a situação seja normalizada no final do ano que vem, e a Itália volte a ser referência no mundo inteiro”.