Alexandre Sousa (*)
Há certas fases na vida que paramos para refletir sobre nossas experiências e renovar nossas crenças e atitudes; a saída da adolescência para a idade adulta é um desses momentos.
No ambiente corporativo, as metodologias ágeis ampliam cada vez mais seu raio de influência nos negócios, com a promessa de aumentar a celeridade, versatilidade e assertividade na implementação de estratégias, no desenvolvimento de produtos e serviços, na criação de inovações e em uma miríade de iniciativas nas quais se aplique os três quesitos apontados acima, sendo que poucos imaginam que essa forma de fazer a operação acontecer nasceu na indústria de software.
Nos idos de 2001, dezessete profissionais, praticantes de métodos ágeis (como, por exemplo, Scrum, XP e FDD), que eram os principais nomes do setor de desenvolvimento de software, se reuniram em uma estação de esqui nas montanhas rochosas de Utah (Estados Unidos) para criar o conhecido “Manifesto Ágil”.
Embora esses profissionais utilizassem métodos diferentes, eles criaram um conjunto de princípios que estabelece práticas comuns de gestão de projetos, que causou uma quebra de paradigma, porque contradizia o senso comum e as práticas da época, além de lançar a pedra fundamental de todas as técnicas que vieram depois e são praticadas até hoje.
. O que diz o manifesto:
“Indivíduos e interações mais que processos e ferramentas.
Software em funcionamento mais que documentação abrangente.
Colaboração com o cliente mais que negociação de contratos.
Responder a mudanças mais que seguir um plano.
Ou seja, mesmo havendo valor nos itens à direita, valorizamos mais os itens à esquerda”.
Em uma leitura rápida, pode parecer até mesmo um ato de insubordinação, um motim contra práticas consagradas daquele momento, mas não se trata disso, e sim de romper mecanismos antigos e movimentar zonas de conforto para estabelecer uma nova escala de valores.
O manifesto projeta valores que vão além da celeridade dos processos, assertividade de prazos e adaptação às mudanças. Ele aumenta a chance de sucesso de uma iniciativa dissipando barreiras imaginárias ao priorizar a simplicidade e satisfação do cliente e “empoderar” o time do projeto. Isto significa reconhecer que o técnico e o humano caminham lado a lado, ferramentas, procedimentos e processos são importantes nesta jornada, mas quem faz acontecer são as pessoas.
. As mudanças e a figura humana – Heráclito (filósofo grego) dizia que nenhum homem mergulha o pé no mesmo rio duas vezes. A correnteza faz o rio mudar e o homem também muda com o passar do tempo. Ora, se isso já era reconhecido na antiga Grécia, como no mundo dinâmico atual o escopo de um projeto não pode mudar, mesmo que este dure anos?
E o time pode, ou melhor, deve evoluir ao longo do projeto, melhorando sua performance de trabalho. Isto posto, é possível considerar rever as estimativas de prazo feitas inicialmente. Essas verdades, ainda hoje, são motivo de controvérsia.
Profissionais mais apegados às técnicas tradicionais de gestão, conhecidas como waterfall ou faseadas, acreditam na linearidade do processo; cada fase gera um produto finalizado e único que é o insumo da fase posterior.
Diante desta dependência, são temidas alterações que afetem o produto concluído na fase anterior, pois geram retrabalho. Logo, aumentam o custo e tomarão mais tempo para execução. Esse método não aceita incertezas e, portanto, não está adaptado a efemeridade das “certezas” atuais. É desafiador para muitas pessoas reconhecer que, ao invés disso, os métodos ágeis tiram vantagem das mudanças.
. Com certeza, o cliente sairá ganhando – Há uma sutileza no manifesto que inconscientemente, ou por conveniência, pode passar despercebida. A última frase do manifesto diz “Ou seja, mesmo havendo valor nos itens à direita, valorizamos mais os itens à esquerda”. Este é um sinal de moderação, de busca de equilíbrio, de consciência daqueles que escreveram o manifesto.
Se os métodos tradicionais insinuavam a tirania hierárquica, a sabedoria de poucos e o apego às regras, o pensamento ágil incita o exercício diário de renovar a mentalidade e se abrir para ouvir todos os envolvidos na iniciativa, o time responsável e o cliente, despido de crenças e preconceitos, tratando o contrato como um compromisso e não como uma camisa de força.
Como Steve Covey elenca em seu best seller “Os sete hábitos das pessoas altamente eficazes”, um dos hábitos é a mentalidade ganha-ganha, esforçar-se em busca de soluções ou de acordos que sejam reciprocamente benéficos em seus relacionamentos.
Em todo projeto há assimetria de interesses: o cliente quer reduzir custos, o fornecedor quer maximizar as margens; nos projetos internos, que não há contratação de terceiros, o gerente do projeto quer tempo suficiente para trabalhar, o cliente interno deseja que o projeto atenda suas expectativas no menor prazo possível.
Para acomodar esses interesses conflitantes é necessário flexibilidade, que está baseada na confiança e confiança é a aceitação da verdade de uma declaração sem evidência ou investigação. Isso não tem relação com o contrato, e sim com a transparência das partes envolvidas na execução do projeto, como bem recomenda um dos doze princípios ágeis: “O método mais eficiente e eficaz de transmitir informações para e entre uma equipe de desenvolvimento é por meio de conversa face a face”.
Houve uma interpretação radical do discurso do manifesto ágil quando este ainda era um imberbe. E, agora, com a maturidade, é possível perceber que essa visão fundamentalista deu lugar a uma leitura racional e equilibrada dos itens à direita e à esquerda das afirmações. O foco está no resultado, o impacto gerado. Projeto bem sucedido não é aquele que cumpre todas as fases, “ticando” todas atividades do cronograma no prazo. Se não gerou impacto, foi ineficaz.
O Manifesto Ágil foi escrito com a força, coerência, beleza e firmeza daqueles que realmente nos inspiram a seguir um rumo confiável para nós, não apenas para eles, digno da estatura de seus signatários. Já passou pela fase mais turbulenta, na qual interpretações confusas quase o comprometeram, mas o sucesso das iniciativas apoiadas nele são inegáveis e a compreensão cada vez maior de suas diretrizes mostra que a questão verdadeiramente importante é fugir das respostas rápidas, ter resiliência e coragem para assumir riscos e deixar fluir.
(*) – É Gerente de Portfólio da eCOMEX-NSI (http://www.ecomex.com.br/).