Derly Jardim do Amaral (*)
O Brasil foi impactado no início de 2020, especificamente em março de 2020, com o surgimento de um vírus desconhecido e relativamente mortal, principalmente para as pessoas com comorbidades e mais vulneráveis à contaminação. O vilão dessa história é o coronavírus, que mudou repentinamente o cotidiano das pessoas e das organizações.
As recomendações dos especialistas eram, e ainda são o isolamento social, a tal da quarentena, a higienização das mãos e o uso de máscaras e, mesmo com elas, se absolutamente necessário ter que quebrar a quarentena, manter distância de 2 metros do seu interlocutor. Nesse contexto de quase clausura – quase porque a televisão e a internet ajudaram na conexão das pessoas com o mundo exterior -, reascende a figura do teletrabalho ou do home office ou, em outras palavras, do trabalho à distância.
As organizações, de todas as naturezas, se viram obrigadas, até para proteção de alguns dos seus colaboradores, a aceitarem que parte da sua força de trabalho realizasse as tarefas básicas à distância, até como forma de sobrevivência organizacional. Obviamente nem todos os profissionais puderam realizar home office.
Muitos tiveram que se arriscar à contaminação pela covid-19 se deslocando para realizar o trabalho presencialmente.
Entre esses estão os profissionais que fazem a limpeza dos ambientes, os profissionais de saúde, aqueles que cuidam da segurança pública, aqueles que operam o transporte público, entre outros. Esse cenário evidenciou situações até então não tão consideradas, nem pelas pessoas e nem pelas organizações. Vou citar duas delas:
De repente, a pessoa se afastou do seu ambiente profissional e passou a dividir espaço em casa com a família, com os filhos, com as atividades domésticas, enfim, com um universo até então compartilhado à noite e aos finais de semana. O fato é que as pessoas criam e mantêm uma relação psicológica profunda com o ambiente de trabalho. A maior parte do tempo diário de uma pessoa ativa, social e economicamente falando, é dedicada ao mundo do trabalho.
O trabalho, o local de trabalho e as pessoas com quem ela trabalha. As tarefas que são capazes de realizar possuem uma força extraordinária de formatação da sua identidade social e psicológica. Tanto é verdade que quando alguém se apresenta para um desconhecido, em um congresso, por exemplo, ou em uma festa, faz questão de dizer o nome da empresa em que trabalha, como se isso fosse o seu próprio sobrenome. Isso é indicativo da importância do trabalho, da profissão, como marco da identidade social e psicológica. Eu sou o que faço.
Bom, a pandemia, o isolamento social, a covid-19, quebraram essa relação. Sem mais, as pessoas ficaram presas dentro de casa com medo da contaminação e com enormes dificuldades de ocupar e viver no “novo” espaço: a própria casa. O resultado desse desafio é o acúmulo de atividades e o trabalho excessivo.
Passaram a não ter hora para atender clientes, para falar com o gerente da área, para realizar tarefas da sua função, enfim, trabalham excessivamente, dividindo o tempo com as tarefas domésticas, com as atividades escolares dos filhos, entre outras obrigações.
Essa nova dinâmica não poderia produzir nada diferente do que temos visto: pessoas estressadas, irritadiças, com insônia, com dificuldades de relacionamento e de convivência com o cônjuge e com os filhos, pessoas com altos níveis de ansiedade e, algumas, com pânico, com tristeza profunda e depressão.
A segunda situação que gostaria de comentar como fruto dessa experiência de viver em clima de pandemia, diz respeito às organizações. Ela também não estava preparada para sobreviver na pandemia e no distanciamento do seu quadro de pessoal, ou pelo menos de parte do seu quadro de pessoal. Sem mais, algumas perceberam que poderiam sobreviver no mercado com menos colaboradores.
Outras perceberam que poderiam sobreviver com menos custos fixos (aluguel de sala, prédio etc…). Também perceberam que precisariam demitir e reduzir o quadro de pessoal, às vezes drasticamente para sobreviver. Isso sem contar com os investimentos extras que as organizações precisaram fazer para que o trabalho remoto pudesse ser realizado. A questão é que as organizações precisam também se repensar. Sei de casos de empresas que resolveram manter as atividades remotas, mesmo depois do término da pandemia, se é que ela vai acabar.
Essa decisão impõe repensar estrutura hierárquica, cadeia de comando, distribuição de tarefas, estabelecimento de metas, de controle de presença, entre outras providências, para poderem se manter ativas e competitivas no seu mercado de atuação. Também conheço exemplos de organizações que resolveram manter a estrutura que possuíam quando do trabalho presencial.
Bom, talvez você esteja se perguntando: onde entra a área de gestão de pessoas nessa história toda. Essa é uma pergunta que nos remete a outra questão: que tipo de gestão de pessoas a organização precisa praticar em momentos de pandemia ou de excepcionalidade? É do tipo de gestão tradicional ou do tipo de gestão estratégica? Confesso que minha preferência é por uma gestão estratégica em momentos de crise, como esse que estamos vivendo.
Li recentemente um artigo em um portal online sobre o processo de tomada de decisão de CEOs de organizações que estão nesse olho do furacão. Os articulistas identificaram que CEOs que foram capazes de tomar decisões mais rapidamente, quando do início da pandemia, tiveram menos problemas de produtividade. Aqueles e, segundo os articulistas foram a maioria, que tiveram lentidão no processo de tomada de decisão, apresentaram maiores problemas de sobrevivência.
Resultado: os articulistas recomendam que as organizações devem submeter seus CEOs a um urgente processo de treinamento/desenvolvimento para aprenderem a tomar decisões mais rapidamente. A questão é: como se ensina alguém a tomar decisões? Como se ensina alguém a driblar o medo e a insegurança que influenciam o processo de tomada de decisão? É possível fazer isso?
Um gestor estratégico de pessoas tem esse papel. Olhar a organização e o seu entorno, analisar os estímulos que é capaz de perceber, mesmo que esses estímulos sejam insuficientes, e ser capaz de criar programas que atendam tanto às expectativas do quadro de pessoal como as expectativas da organização.
O gestor de pessoas não possui bola de cristal e também foi pego de surpresa com o surgimento da pandemia. Contudo, um gestor estratégico de pessoas poderia agir prontamente antes da pandemia, conhecendo sua organização, fazendo ajustes de quadro, revendo estrutura hierárquica, capacitando a força de trabalho, entre outras providências.
Ao gestor de pessoas estratégico ainda cabe outra preocupação: olhar para a saúde mental e física dos seus colaboradores que estão em regime de teletrabalho. Avaliar, acompanhar o dia-a-dia, colhendo constantemente evidências do nível de estresse e possíveis distúrbios psíquicos que eventualmente os seus colaboradores estejam apresentando.
Para tal, deve estabelecer boas práticas de comunicação e de interação com todos que estão em trabalho remoto, criando e fomentando o intercâmbio entre os membros da equipe. Essa providência passa a ser de fundamental importância para as pessoas e para a organização.
Somado a essas providências, os gestores estratégicos podem descobrir a medida certa da quantidade de tarefas e de metas que estão atribuindo aos seus colaboradores, exatamente para que a carga de trabalho não exceda o limite contratual e não leve as pessoas à exaustão física e emocional.
(*) – É doutor em Administração de Empresas, professor adjunto e pesquisador da Universidade Presbiteriana Mackenzie nos temas: Gestão de Pessoas, Comportamento Organizacional e Empreendedorismo.