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O seu cartão foi clonado e você pagará a fatura

em Artigos
sexta-feira, 23 de outubro de 2020

Allan Augusto Gallo Antonio (*)

Atualmente, poucas pessoas podem dizer que nunca tiveram a desagradável experiência de ter seu cartão clonado.

Não é raro que, nessas ocasiões, só se descubra o crime após a constatação de que a fatura do cartão está recheada de gastos exorbitantes não realizados por seu titular. A experiência é assustadora e – por vezes – é o prenúncio de um complexo procedimento para contestar as compras indevidas junto ao banco, a fim de que não se precise arcar com os valores utilizados.

Por outro lado, na maioria das vezes a situação é resolvida e, uma vez comprovado que os gastos foram feitos de forma criminosa, o titular não é obrigado a pagá-los.

A comparação pode parecer absurda de início, mas o fato é que em linhas gerais é exatamente o que tem acontecido com os gastos do Estado no Brasil. Já não é de hoje, que os sucessivos governos brasileiros têm gastado inadvertidamente e repassado a conta com juros e correção monetária para a sociedade.

Segundo o relatório do monitor fiscal do FMI, divulgado no último dia 14, a relação entre a dívida bruta e o PIB brasileiro deve saltar 11,9 pontos percentuais entre 2019 e 2020, partindo de 89,5% para 101,4%, ou seja, o segundo mais alto entre os países emergentes – atrás apenas de Angola. Segundo o mesmo relatório, e tomando como base um horizonte um pouco maior, as projeções do FMI apontam que a relação entre a dívida e o PIB crescerá anualmente, chegando aos assustadores 104,4% em 2025.

Somente a partir de então a dívida do país começará a cair, se tudo continuar correndo bem e dentro da normalidade institucional. O que parece ser uma previsão pessimista a curto prazo para o período compreendido entre 2020-2025, mas relativamente otimista de 2025 em diante, parece não considerar o gosto do país por crises institucionais e gastos desmedidos em anos eleitorais.

É pouco provável que o país caminhe sem crises políticas, econômicas e sociais até o ano de 2025 e, dada a imprevisibilidade política e a perspectiva de aumento de gastos caso um governo de perfil intervencionista vença nas urnas, o que se pode esperar é que a relação entre a dívida e o PIB não diminua tão cedo.

Outro ponto que o relatório não menciona, mas que é muito importante notar, é o fato de que existe um ponto de inflexão e não retorno, quando essa relação dívida/PIB se tornar insustentável e um eventual calote se tornar, na melhor das hipóteses, uma saída – se não aceitável – pelo menos possível. Nesse ponto de inflexão, que não se sabe ao certo qual é, a insegurança causada pelo desequilíbrio das contas afastará investidores e poderá afetar os juros da dívida.

Não é difícil concluir que numa situação como essa o problema se tornará uma bola de neve e que não haverá outra reposta por parte do Estado, se não majorar tributos (diretos ou indiretos) ou realizar algum tipo de confisco. Seja por vias ostensivas ou mais sutis, a fatura dessa dívida será repassada para todos sem distinção. Isso implicará na perda do poder de compra, diminuição da qualidade de vida e precarização das estruturas já existentes.

O caminho institucional mais adequado seria conseguir aprovar reformas estruturais importantes (como a administrativa), realizar contenção de gastos e continuar avançando com um plano arrojado de privatizações que desonere o Estado. No entanto, é pouco provável que as reformas – após terem passado por toda deformação legislativa – sejam suficientes para impedir que a indesejada fatura seja repassada aos pagadores de impostos.

O horizonte não se mostra promissor e, a cada dia, parece que contestar os gastos indevidos, que contribuem para aumento da dívida, está ainda mais longe de ser possível. Nesse cenário caótico há muito pouco a ser feito institucionalmente, mas opções até então consideradas pouco ortodoxas, como, por exemplo, as criptomoedas (que estão fora do controle do Estado), parecem ser uma opção viável para evitar – a nível individual – o pagamento da amarga fatura da irresponsabilidade política e econômica.

(*) – Formado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e mestrando em Economia e Mercados pela mesma instituição, é pesquisador do Centro Mackenzie de Liberdade Econômica.