Vivaldo José Breternitz (*)
A Sabre é uma companhia criada em 1960 pela American Airlines, para processar serviços de reserva de passagens aéreas utilizando computadores, o que era algo totalmente novo na época. Já nasceu grande: usando dois mainframes IBM 7090, processava 84 mil transações por dia, uma enormidade para a época. A empresa logo passou a prestar serviços para outras companhias aéreas e expandiu sua área de atuação, passando a prestar serviços a hotéis, locadoras de automóveis e outros tipos de empresas que atuam na área de viagens.
É líder mundial no fornecimento de soluções para essa indústria: em 2019 faturou cerca de quatro bilhões de dólares e tem dez mil empregados. Seus únicos concorrentes de peso são a espanhola Amadeus e a britânica Travelport. Neste momento, em que o governo americano diz que os equipamentos de telefonia da Huawei permitem que o governo chinês pratique espionagem e tenta proibir seu uso por outros países, inclusive o Brasil, vale a pena lembrar informações muito recentemente trazidas pela revista Forbes.
Segundo a revista, o FBI usa os dados da Sabre para coletar informações sobre suspeitos, solicitando à empresa que “vigie ativamente” (actively spy) determinadas pessoas. Uma dessas pessoas é Deepanshu Kher, um indiano suspeito de hackear sistemas do governo americano e que estava foragido; o FBI pediu à Sabre, em dezembro de 2019, que reportasse imediatamente qualquer tipo de informação sobre viagens e reservas de Kher, que acabou preso em janeiro.
Consta que dados da empresa foram também usados para a prisão de Alexei Burkov, acusado de praticar golpes envolvendo o uso de cartões de crédito. Para dar suporte à requisição dessas informações, o FBI recorreu ao All Writs Act, legislação de 1789 que também utilizou ao solicitar à Apple que fossem revelados os dados do iPhone do terrorista Syed Rizwan Farook; nesse caso a Apple não atendeu à solicitação, mas o FBI conseguiu os dados com o auxílio de terceiros.
Há mais tempo, a Sabre teria auxiliado a reconstituir os passos dos sequestradores dos aviões usados nos ataques de 11 de setembro.
Tudo isso nos leva a algumas conclusões: o uso intensivo de computadores na vida cotidiana, coletando enormes volumes de dados, torna impossível a manutenção da privacidade, independentemente da legislação que regula o assunto; governos, para atingirem seus objetivos, bons ou maus, acessam nossos dados sem nenhum pudor.
Derivadas dessas conclusões, surgem dúvidas: vale a pena a sociedade abrir mão de alguma privacidade para ser protegida da ação de foras da lei? Isso diminuiria nossa liberdade, entendida esta em seu sentido mais nobre?
(*) – É Doutor em Ciências pela USP, é professor da Faculdade de Computação e Informática da Universidade Presbiteriana Mackenzie.