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O banco, a corretora e a roupa de homem-aranha

em Opinião
terça-feira, 30 de junho de 2020

Pedro Guimarães (*)

Aqueles mais adeptos das redes sociais certamente já viram um meme muito famoso, constantemente usado em discussões políticas.

Na imagem, originária de uma revista em quadrinhos, alguém vestido de Homem-Aranha está com o dedo em riste para outra pessoa também vestida de Homem-Aranha, que devolve o gesto, provavelmente se acusando de serem impostores. Esta imagem é comumente usada na internet quando uma personalidade critica outra por ser ou fazer alguma coisa de errado, mas sem qualquer moral para isso, pois é conhecida pelas mesmas atitudes. Ironicamente, não foi na política, mas no mercado financeiro, que este meme encontrou seu retrato fiel.

Nesta semana, os quarteirões em volta da Faria Lima se agitaram em meio a um desentendimento curioso entre a maior instituição bancária e a maior plataforma de investimentos do país, da qual a primeira é sócia. Em sua nova peça publicitária, o banco acusou as corretoras, por meio de seus agentes autônomos de investimentos, de não trabalharem a serviço dos clientes que investem por lá, e sim em busca de comissões. Por outro lado, a plataforma, por meio de seu fundador e controlador, disse que seu processo de remuneração sempre foi transparente e que é justamente o banco que não coloca o cliente em primeiro lugar.

Seria uma discussão muito nobre, com dois lados aparentemente querendo oferecer o melhor serviço. Seria… se fosse verdade. Ao longo de décadas, os bancos nadaram de braçada. Sob a custódia deles, estava basicamente toda a riqueza da população. Como contrapartida, ofereciam opções de investimentos caras e com rentabilidade reduzida para os clientes, que não viam outras opções e aceitavam quase cegamente as orientações do gerente, uma pessoa quase sempre honesta, mas profundamente atormentada por suas metas internas.

Esta realidade começou a mudar nos últimos anos, com o boom das corretoras e suas estratégias mais agressivas impulsionadas pelas redes sociais e por uma rede de representantes oriunda do próprio setor bancário. As corretoras surfaram na onda da rejeição aos bancos tradicionais, até certo ponto justificada. Elas apresentaram um novo mundo, onde ‘os melhores investimentos’ estavam ali, disponíveis. O cliente tinha a sensação de que agora estava livre e consciente sobre as decisões acerca do próprio patrimônio. Mas era apenas uma sensação. A prática continuou exatamente a mesma.

Tanto os bancos quanto as corretoras compartilham dos mesmos vícios, oriundo do modelo transacional de negócios. Gerentes de banco e agentes autônomos de investimento sempre venderam produtos, assim como o dono de uma loja de roupas. Este processo de venda é feito com base em uma grande assimetria de informações. O vendedor tem muito mais conhecimento sobre o produto do que o comprador, obviamente. Logo, a própria venda não pode ser considerada uma relação justa.

Quando se fala sobre o patrimônio de alguém – e muitas vezes sobre o dinheiro que essa pessoa está guardando para a sua aposentadoria, a relação deixa de ser apenas desigual e passa a ganhar contornos imorais. O vendedor pode até se preocupar com o cliente, mas ele está muito mais pensativo sobre o retorno que aquela venda trará a si próprio.
Em sua defesa, o banco acredita que mudar a remuneração do gerente e atrelar metade dela à rentabilidade do investidor representa um alinhamento.

Ora, alguém já ouviu falar em alinhamento pela metade? Este é um modelo que não existe em qualquer lugar do mundo e que certamente não será inventado no Brasil agora. O gerente trabalha para o banco e o agente trabalha para a corretora – e é importante que isso fique claro. A única opção de alinhamento de interesse é por meio do modelo fiduciário, onde o planejador financeiro é remunerado 100% pelo cliente, como se fosse um médico ou um advogado.

Esta briga fratricida entre o banco e a corretora tenta desviar o foco do problema quase todo para o agente autônomo de investimento. Mesmo tirando este profissional da equação, o que sobra são empresas dispostas a lucrar por meio do número e do volume de transações. Hoje, com a baixa taxa de juros, muitos investidores estão insatisfeitos e estão se sentindo desassistidos. Então, procuram ajuda onde acreditam que vão encontrar uma opinião mais isenta.

É um movimento que ocorreu em vários lugares do mundo, sobretudo nos mais desenvolvidos, como os EUA na década de 70 e na Inglaterra no fim da década de 80. Primeiro, surgiu o modelo bancário tradicional, depois o modelo por agentes autônomos e, finalmente, o modelo fiduciário, que entrega um resultado muito melhor.

Para tirar a prova, um bom exercício seria perguntar para os sócios controladores dos bancos onde está investido e quem cuida do dinheiro deles. Se eles fossem tão confiantes no próprio modelo, seria de se esperar que utilizassem a própria instituição para administrar suas fortunas. No entanto, como não poderia ser diferente, seus recursos estão sob gestão de family offices, que funcionam no modelo fiduciário.

Isso porque somente o profissional que trabalha com este modelo está comprometido com o aumento de capital do cliente, pois só a ele deve satisfações. Eventualmente, sua remuneração cresce conforme o patrimônio do cliente aumenta também. O Brasil só está vendo a ascensão do modelo fiduciário agora. A Fiduc, por exemplo, vem apresentando seus melhores resultados de captação mês a mês, chegando a cerca de R﹩ 200 milhões sob gestão em menos de dois anos de existência.

Esta é uma nova onda, inevitável, e que vai chegar com força assim como ocorreu nos países desenvolvidos.

(*) – É fundador e CEO da Fiduc, empresa de planejamento financeiro e gestão de investimentos