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Uma viagem ao centro de nós: a carta de um “Terranauta”

em Opinião
sexta-feira, 29 de maio de 2020

Carlos Walter Dorlass (*)

Em março de 2020 nos tornamos “Terranautas” – exploradores do local no qual vivemos.

E fomos convocados a ir para casa, com destino ao nosso interior e com o objetivo de reaprender a viver em comunidade. Essa complexa missão já dura cerca de 60 dias e, desta vez, ao contrário daqueles chamados astronautas, que já foram à Lua, não nos preparamos para esse momento. Hoje, estamos em casa, no planeta Terra, e a nossa missão é lidar com o afastamento social, o confinamento e as incertezas.

Alguns de nós possuem abrigo, alimento e companheiros de jornada, mas, em geral, os “Terranautas” também sentem falta dos amigos, amores e de outros familiares. Neste período de distanciamento, ainda que em casa, cada de um nós precisa administrar uma série de sentimentos e situações:

. Precisamos entender as frustrações – Viver em um espaço confinado com outras pessoas exige respeito e tolerância. Como os “Terranautas” nem sempre selecionam toda a tripulação, saber cooperar é uma competência importante para um ser humano, com isso, a comunicação é essencial: precisamos entender não só as frustrações do outro, mas também o que nos chateia e o que ajuda a nos tranquilizar.

. Compartilhar pode se tornar uma experiência de aproximação – Em tempos difíceis, a tarefa é de ajudar os outros tripulantes. Sabemos que dependemos um do outro para nossas vidas e, neste momento mais do que nunca, o trabalho em equipe é importante.

. Ainda temos algum controle – Mesmo com as tarefas distribuídas entre os “Terranautas”, relembro que temos controle sobre algumas coisas, como escolher o tipo de comida, o que bebemos e quando desejamos dormir, pois, mesmo ‘presos’ em casa, ninguém está nos dizendo qual livro ler ou a que horas acordar. Existe um grande objetivo em nossa viagem: “aprender a ser mais humanos”. Podemos ter metas e realizar conquistas todos os dias.

. Eu tinha planos – Um “Terranauta” não precisa estar alarmado ou ansioso com os riscos da “viagem ao seu eu” porque sabemos o que fazer em situações de emergência. Relembro que temos contatos de fácil acesso e devemos distribuir atividades, caso não consigamos realizar algo sozinhos como cozinhar ou descobrir a melhor forma de cuidar de um aquário. A ajuda de um outro “Terranauta” pode tornar tudo mais fácil, assim como apoiar o pode ser bem prazeroso.

. Planejar algo agradável para o futuro – Com algum tempo de sobra, podemos fazer o que sempre desejamos, mas antes estávamos muito ocupados. Os “Terranautas” em missões longas, como a de agora, por exemplo, podem assistir a filmes e ler livros. O “Terranauta” pode resolver problemas complexos, ser mais criativo, aprender a conviver e o mais importante: ser mais humano.

. Temos tempo para apreciar as coisas – Uma das coisas que “minha equipe” (família) e eu adoramos fazer no final do dia de trabalho é olhar para o horizonte. Vemos as luzes da cidade surgirem e quando entramos no entardecer é mágico! Ainda podemos ver o nascer do sol e as nuvens de um lugar privilegiado e, por vezes, subestimado: a janela.

. Outro ponto importante – É ver que nossa felicidade não necessita de riquezas e objetos valiosos. De volta à Terra “normal” seremos confrontados novamente pelo materialismo. Certamente rebaixaremos o valor relativo das ‘coisas’ em nossas vidas, um sinal que o impacto causado pela Covid-19 terá um efeito significativo sobre cada um.

Eu sou um “Terranauta” e acredito que quando a pandemia terminar, o mundo será um lugar melhor para se viver; com menos consumismo e mais benfeitorias ao meio ambiente. Tenho confiança que sentiremos a mudança na sociedade, que será mais comunitária, mais coerente e muito mais amável.

(*) – É professor e Diretor Geral do Colégio Marista Arquidiocesano, localizado em São Paulo.


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