José Carlos Vasconcellos (*)
A complexidade da solidão intriga cientistas do mundo todo. Ela é um mal universal, que não necessariamente diz respeito às pessoas que vivem sozinhas, mas às que estão isoladas socialmente. De acordo com Stephanie Cacioppo, diretora do Laboratório de Dinâmica Cerebral da Escola de Medicina Pritzker, da Universidade de Chicago, a solidão pode ser definida como “a discrepância entre o que você deseja dos seus relacionamentos e o que, de fato, você tem.
Ela pode se manifestar em qualquer idade, mas é natural que tenha maior incidência entre pessoas a partir dos 60 anos de idade, uma vez que é nessa fase que normalmente começam a vivenciar a perda de entes queridos e amigos. Como fenômeno complexo que é, a solidão tem sido objeto de inúmeras pesquisas. Elas dão pistas para compreendermos de que forma ela atinge os indivíduos e, principalmente, quais são os caminhos possíveis para sua cura.
Um desses estudos foi conduzido pelo pesquisador Steve Cole, professor de medicina, psiquiatria e ciências bio-comportamentais da Faculdade de Medicina da UCLA, nos Estados Unidos, que decidiu estudar o tema do ponto de vista molecular, partindo de uma amostra de glóbulos brancos. Elas foram retiradas de homens e mulheres solitários e a conclusão de Cole foi surpreendente: os glóbulos estavam em estado de alerta máximo, respondendo da mesma forma que a uma célula com infecção bacteriana.
Era como se estivessem sob ataque de uma doença, a ‘doença da solidão’. Tão importante quanto o estudo foi o retorno que ele trouxe após sua publicação, em 2007: o pesquisador passou a receber um enorme volume de e-mails, de pessoas agradecendo e compartilhando relatos e como as descobertas faziam sentido em suas vidas. “Então isso me levou a respeitar a solidão como um tópico. Mas também como um inimigo”, afirma Cole.
A solidão, diz Louise Hawkley, cientista sênior da Universidade de Chicago, “é uma experiência humana universal e, sendo os animais sociais que somos, deve haver implicações quando essas conexões sociais não são satisfeitas”. De acordo com ela, temos uma necessidade vital de aceitação, de sermos incorporados e conectados em uma rede social e quando isso não ocorre, existem consequências reais para nossa saúde mental e física.
A necessidade de contato social aparece em todos os estudos, independentemente da linha seguida pelos especialistas e a ciência considera a solidão como um mal que afeta não apenas nossos cérebros, mas também nossos corpos. Outra importante contribuição para essa discussão vem de Julianne Holt-Lunstad, professora de psicologia e neurociência da Universidade Brigham Young. Ela questiona se o que estamos vivenciando atualmente é a solidão propriamente dita ou se as pessoas estão se desconectando socialmente de várias formas, de maneira gradativa.
Segundo ela, existem dados de declínio das conexões sociais: aumento no número de pessoas que vivem sozinhas – embora esse fator isoladamente não possa ser relacionado com a solidão – diminuição das taxas de casamento e do número de filhos. Todos esses fatores carregam um estigma de ‘fracasso social’, o que coloca esses indivíduos em risco. Julianne é o co-autora de um estudo de referência que analisou vários grupos de pessoas consideradas como desprovidas de conexão social suficiente e cruzou essas informações com seus históricos médicos. A conclusão é que, seja o indivíduo saudável ou não, aqueles que estão mais conectados socialmente, vivem mais.
Existem diversos dados que sugerem que se sentir sozinho não é um problema exclusivamente do indivíduo, mas é um efeito do mundo em que vivemos. Em torno de 94% dos representantes da geração Baby Boomers dizem que acreditam pertencer a um grupo de amigos, número que cai para 70% no caso da chamada Geração Z. É provável que a geração Millenial, intermediária entre elas, seja mais solitária que os Baby Boomers e a Geração Z ainda mais do que as duas anteriores.
A qualidade das relações sociais também tem papel fundamental para evitar a solidão. Apenas 53% dos americanos relatam ter interações significativas com amigos e familiares, o que sugere que a solidão tem menos relação com o número de amigos que temos ou com a frequência com que saímos com eles e mais relação com a capacidade de nos conectarmos com as pessoas em um nível mais profundo.
. Efeitos da solidão – Em janeiro de 2018, o Reino Unido criou o Ministério da Solidão, pasta que trabalha criando estratégias para enfrentar o que a primeira-ministra britânica,Theresa May, descreve como “uma triste realidade da vida moderna, que atinge pessoas de todas as idades”. Na época, 9 milhões de britânicos se declaravam solitários, de uma população total de 65,6 milhões. Como consequências, o governo registrava efeitos como altos índices de internação, de mortalidade prematura e problemas associados à demência. A criação de um ministério para solucionar o problema, algo inédito no mundo, demonstra sua gravidade para a sociedade.
Outros países também enfrentam o mesmo desafio. Os impactos das pessoas que vivem em isolamento social nos Estados Unidos somam US﹩ 7 bilhões ao ano para o sistema de saúde americano, segundo estudo do Instituto de Políticas Públicas das Universidade de Stanford e Harvard. Isso ocorre principalmente por conta de internações de longa permanência nos hospitais. Nos indivíduos que padecem desse mal, os custos se materializam das mais diversas formas, com consequências negativas para corpos e mentes, encurtando vidas.
A solidão é mortal: uma série de estudos revelou que ela aumenta as chances de doenças cardíacas, nos torna mais vulneráveis ao Alzheimer, pressão alta, suicídio e até mesmo aos resfriados comuns. Ainda segundo essas pesquisas, o sentimento de estar sozinho equivale a fumar 15 cigarros por dia e a solidão ainda é considerada mais nociva para a saúde que a obesidade.
Um número elevado de especialistas concentra atualmente suas pesquisas nos sentimentos da solidão: na experiência pessoal de rejeição, desconexão e de saudade. Eles estão convencidos de que a dor dessas pessoas é tão real quanto qualquer outra causada por uma lesão física, por exemplo. Nossa história evolutiva pode nos ensinar muito sobre isso: nossos ancestrais mais antigos tinham mais chance de sobrevivência em relação aos seus predadores quando estavam em grupos, de maneira que a solidão pode ter evoluído como um alerta de que algo não está certo, nos estressando até que voltemos à segurança do nosso grupo.
No curto prazo isso pode ser benéfico – como a inflamação encontrada por Steve Cole nas células das pessoas solitárias – e pode ser traduzido como o sistema de defesa combatendo uma infecção ou reparando uma ferida. Mas, no longo prazo, pode ser mortal, tornando indivíduos mais vulneráveis a uma série de doenças.
. Tratamento e cura – Conseguir cessar o que os cientistas têm chamado de ‘duelo entre corpo e mente’ é uma das formas de reverter a trajetória da solidão. Explicando melhor: enquanto o corpo quer fazer novos amigos e se reconectar socialmente, o cérebro moderno e solitário, que está sob a influência da resposta inflamatória e elevados níveis de estresse, sente ameaça em qualquer interação, obrigando os indivíduos a se isolarem ainda mais.
“Se você coloca alguém que está solitário em uma sala sozinho, todas as pessoas que chegam são percebidas como uma ameaça”, exemplifica Stephanie Cacioppo, diretora do Laboratório de Dinâmica Cerebral da Escola de Medicina Pritzker da Universidade de Chicago. Ela explica que as pessoas solitárias muitas vezes interpretam mal uma expressão facial ou um tom de voz – caracterizando a curiosidade como hostilidade, por exemplo – e desenvolvem uma realidade distorcida do mundo à sua volta.
De acordo com Stephanie, enquanto nosso corpo tem um modo de autopreservação a longo prazo e quer abordar outras pessoas para sobreviver, o cérebro solitário tem um modo de autodefesa a curto prazo e vê, erroneamente, mais inimigos que amigos. Como fenômeno que se manifesta de maneira diferente em cada indivíduo, o tratamento para aliviar ou extinguir a solidão pode exigir métodos diferentes. Os cientistas têm inclusive substituído o termo solidão por ‘conexão social’, evitando o estigma e o preconceito que recaem sobre ele.
Julianne Holt-Lunstad afirma que um bom caminho seria considerar a saúde de nossas conexões sociais como tão importante como um estilo de vida saudável, dieta e exercícios físicos, por exemplo. Um dos métodos mais eficazes parece ser a terapia cognitivo-comportamental (TCC), que pode ajudar um indivíduo solitário a entender melhor como suas suposições e comportamentos podem estar trabalhando contra o desejo de se conectar com os outros.
Um experimento com um medicamento está sendo conduzido por Naomi Eisenberger, professora de psicologia da UCLA. “Talvez o naproxeno possa quebrar esse ciclo negativo de feedback e isso mudará a maneira como as pessoas vêm o mundo social. E então, em vez de interpretar cada pequeno comentário como algo negativo, talvez com o tempo as pessoas poderão se sentir um pouco menos desconectadas dos outros, um pouco menos solitárias”, afirma.
Da mesma forma, alguns antidepressivos, classificados como inibidores seletivos da recaptação de serotonina, ou SSRIs, também podem ajudar a reduzir o senso de ameaça social. A combinação entre os medicamentos e a terapia, na medida em que as drogas possibilitam o trabalho em uma mente mais flexível e aberta, também trazem esperança. Mas é fundamental que diversas abordagens sejam utilizadas nos tratamentos, levando em conta a singularidades da solidão para cada indivíduo.
E o mais importante: que haja a conscientização das sociedades sobre a gravidade do problema e a relevância de incentivar cada vez mais esse debate.
(*) – É fundador da Telehelp, empresa pioneira em teleassistência no Brasil, com foco na independência e autonomia dos idosos.