No contexto da pandemia, o chamado “isolamento vertical” – que consiste em impor quarentena apenas aos grupos de risco (pessoas com mais de 60 anos e portadores de doenças crônicas, entre outros) e liberar o resto da população para circular livremente – tem sido contraindicado por autoridades de saúde do mundo todo. Em um país com alto percentual de pobreza e infraestrutura deficiente como o Brasil, essa suposta opção torna-se ainda mais inadequada, pois, nas faixas de baixa renda, é impossível separar os grupos de risco.
“Idosos e portadores de doenças crônicas convivem com os outros membros da família e até com outras famílias, em espaços apertados, muitas vezes dormindo no mesmo quarto”, diz a pesquisadora Marta Arretche, professora titular do Departamento de Ciência Política da USP. Adensamento excessivo (definido como o compartilhamento do mesmo dormitório por mais de três pessoas) e coabitação (compartilhamento da mesma moradia por mais de uma família) caracterizam parte de um déficit habitacional que inviabiliza qualquer proposta de “isolamento vertical”.
Estudo da Fundação João Pinheiro, de Minas Gerais oferece um cenário aproximado, com números de 2015. “Esse levantamento indicava que havia, naquele ano, um déficit absoluto de 6.356.000 habitações no Brasil. O adensamento excessivo respondia por 5,2% do déficit – ou seja, por 330.512 habitações. E a coabitação, por 29,9% do déficit – isto é, por 1.900.444 moradias”, informa o pesquisador Eduardo Marques, professor titular do Departamento de Ciência Política da USP.
A situação é ainda mais grave nas favelas, que, segundo o Censo 2010, abrigavam naquela data cerca de 11,4 milhões de pessoas. Mas o que a Fundação João Pinheiro classificou como déficit habitacional não se restringe às favelas, nem necessariamente inclui todos os edifícios existentes nelas, alguns com melhores condições de habitabilidade. Há déficit também em bairros de baixa renda não favelados. E até mesmo em enclaves de população pobre em bairros de classes média ou alta.
“Ao contrário do que se poderia supor, o maior déficit ocorre na região mais rica do Brasil: a Sudeste, onde a maioria dos números já detectados da doença se localiza. As regiões metropolitanas que lideram o ranking são as de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, com déficits aproximados de 640 mil, 340 mil e 159 mil unidades habitacionais, respectivamente. Realizar isolamento vertical nesse contexto é praticamente impossível”, afirma Marques (Agência Fapesp).