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Plano do MEC de transferir escolas públicas para Polícia Militar divide opiniões

em Especial
terça-feira, 02 de julho de 2019
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Plano do MEC de transferir escolas públicas para Polícia Militar divide opiniões

Em 2014, o Colégio Estadual Fernando Pessoa, localizado num bairro carente de Valparaíso (GO), sofreu uma transformação radical. Os alunos substituíram as roupas comuns por fardas bege

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Policiais e alunos do Colégio Fernando Pessoa, em Valparaíso. Foto: Divulgação/deputado distrital Jorge Vianna

Ricardo Westin/Ag. Senado/Especial Cidadania

imagem 02 temproarioA portaria e os corredores passaram a ser patrulhados por policiais armados. O diretor civil foi trocado por um comandante militar. Os professores começaram a trajar jalecos brancos. As aulas só começam depois que os estudantes enfileirados assistem ao hasteamento da bandeira nacional. O nome ficou mais longo: Colégio da Polícia Militar de Goiás Fernando Pessoa. A escola foi militarizada (saiba mais sobre ela no vídeo ao fim desta reportagem).

— De todas as transformações que fizemos, a mais importante foi resgatar a autoridade do professor. Ao contrário do que acontece em outras escolas, aqui ele consegue se impor, é respeitado pelos alunos e trabalha sem medo — afirma o comandante do colégio, capitão Eric Chiericato.

Nas escolas militarizadas (ou cívico-militares), o prédio, os professores e o currículo escolar continuam sendo do governo estadual ou da prefeitura, mas o diretor, a segurança e as regras internas de disciplina passam a ser da Polícia Militar ou do Corpo de Bombeiros.

Trata-se de um modelo escolar que o governo federal quer ver espalhado por todo o Brasil. Logo no dia seguinte à sua posse, em janeiro, o presidente Jair Bolsonaro cumpriu uma das promessas de campanha e criou no Ministério da Educação uma subsecretaria incumbida de incentivar estados e municípios a transferir a direção de suas escolas para os policiais ou bombeiros.

As primeiras experiências com a militarização do ensino datam da década passada. Aos poucos, o modelo foi se expandindo. Atualmente, funcionam nesses moldes perto de 200 colégios estaduais e municipais em quase todos os estados.

Em termos numéricos, Goiás é o líder nacional, com 60 escolas estaduais nas mãos da Polícia Militar. Em Roraima, há 19. Os colégios que costumam ser militarizados são os do ensino médio e os da última etapa no ensino fundamental (do 6º ao 9º ano).

O MEC escolheu a capital da República como piloto. A pasta destinou verbas para que, até o fim do ano, 40 escolas do Distrito Federal sejam entregues à gestão militar. Dessas, quatro já foram militarizadas. O dinheiro federal deve ser aplicado na infraestrutura e na capacitação dos profissionais.

Em abril, representantes do MEC participaram de uma audiência pública na Assembleia Legislativa de Minas Gerais para tentar convencer os deputados estaduais a aprovar a educação militarizada — a adoção do modelo exige lei específica. Minas é um dos poucos estados que não têm nenhuma escola cívico-militar.

A disseminação desse modelo, contudo, é controversa. Especialistas em educação discordam da nova política do MEC. No Senado, as escolas militarizadas também têm defensores e críticos.

De acordo com o Ministério da Educação, a militarização do ensino traz três grandes benefícios: os alunos ficam mais disciplinados e obedientes, a violência na escola despenca e a aprendizagem aumenta.

O modelo que o MEC apoia é inspirado nas escolas militares, que pertencem às Forças Armadas, às Polícias Militares e aos Corpos de Bombeiros. Comparadas com as escolas militarizadas, a grande diferença é que as militares não têm ligação com a rede pública de ensino e destinam quase todas as suas vagas aos filhos dos militares.

imagem 10 temproarioNo primeiro dia de aula, os estudantes recebem uma agenda com o regimento disciplinar da escola. As regras os proíbem de sentar-se no chão fardados, mascar chiclete, dobrar a manga da camiseta de educação física, fazer demonstrações públicas de afeto (no caso de namorados), usar óculos chamativos, pintar a unha e o cabelo, deixar a barba crescer, chamar o professor de “você” (o regimento escolar prevê “o senhor” e “a senhora”). Também é considerado transgressão não prestar continência aos militares da escola.

Os alunos perdem pontos no quesito disciplina quando desrespeitam o regimento. A depender da pontuação descontada, eles podem ser reprovados ou expulsos ainda que tenham obtido boas notas nas provas escritas.

O professor de filosofia da educação José Sérgio Fonseca de Carvalho, da Universidade de São Paulo (USP), entende que a disciplina das corporações militares é incompatível com a escola:

— É uma disciplina que prevê a obediência cega. Numa guerra, quando o comandante grita “avançar”, os soldados têm que obedecer e jamais questionar. No meio militar, é preciso que seja assim. Na escola, ao contrário, a obediência cega não é uma virtude. O estudante precisa querer conhecer as razões, argumentar, criticar e eventualmente contrapor-se ao pensamento dominante, porque é assim que a ciência e o conhecimento evoluem. Na escola, exige-se a disciplina para o estudo, não a disciplina militar.

Carvalho afirma que o esquema militar desconsidera a pluralidade que deveria ser característica do ambiente escolar:

— Quando observo um exército marchando, eu vejo um bloco único fazendo o mesmo movimento, e não as individualidades e as singularidades de cada um. Quando essa lógica é levada para o ensino, a experiência escolar se empobrece. O que se faz é a conformação, e não a formação dos alunos. Não é possível que este nosso mundo seja tão maravilhoso que tenhamos que ajustar todos os jovens a ele. Para mim, isso é treinamento, adestramento. Educação não é.

O senador Styvenson Valentim (Pode-RN), discorda. Ele é policial militar e foi o responsável pela recente militarização de um colégio estadual localizado num bairro pobre e violento de Natal. Segundo Styvenson, a obediência é, sim, necessária na educação:

— As pessoas estão confundindo liberdade de pensamento crítico com libertinagem. Regras servem para manter a sociedade coesa e pacífica. Assim como o filho precisa obedecer ao pai, o aluno precisa obedecer ao professor, que é hierarquicamente superior. Não tem que questionar. A criança que é desobediente hoje certamente vai se tornar um adulto desobediente amanhã, com consequências negativas para a sociedade. É com obediência que o cidadão se forma.

Nas escolas militarizadas, a cada mês, um aluno é alçado ao posto de chefe de turma. Como tal, é dele a responsabilidade de manter os colegas comportados. Caso perca as rédeas, perde pontos no boletim disciplinar. Outra missão é apresentar a turma ao professor. No início de toda aula, o chefe se levanta da carteira, dirige-se a professor, presta continência e, em alto volume, informa qual é o “efetivo” da sala, quantos alunos estão presentes e quantos faltaram. Apresentação concluída, ele ordena repetidamente aos colegas “sentido” e “descansar” e só diz “sentados” quando eles por fim conseguem fazer os movimentos em perfeita sincronia. Se o aluno tiver seis aulas no dia, fará esse ritual seis vezes.