Projetos buscam maior rigor para o trânsito
O Senado busca contribuir para a redução do número de acidentes de trânsito, especialmente os que provocam lesões graves e mortes. Como parte das movimentações do Maio Amarelo — campanha anual em prol do trânsito seguro —, senadores chamaram a atenção para projetos de lei que enrijecem a fiscalização e aumentam as chances de punição de condutores
Só em 2018 foram 5 milhões de autuações por velocidade acima do permitido. Foto: Guilherme Filho/Secom-MT
Nelson Oliveira/Ag. Senado/Especial Cidadania
O excesso de velocidade é a infração mais cometida por brasileiros nas rodovias federais, com cerca de 4,8 milhões de ocorrências em 2018, contra 3 milhões em 2017 — crescimento de 60% —, segundo o balanço da Polícia Rodoviária Federal (PRF). A velocidade acima do limite provocou 9 mil acidentes, que resultaram em 10,1 mil feridos e mais de mil mortos no ano passado. Acrescentando as ocorrências nas vias urbanas e rodovias estaduais, o país perdeu 37,3 mil vidas em 2016. Em dez anos, chega-se a 368,8 mil pessoas mortas.
— A impunidade no Brasil não é uma sensação, é uma certeza. Ninguém está preso ou fica preso por crime de trânsito. Se as pessoas não mudam pela educação, mudam pelo medo. Mas é preciso mudar — lamenta o senador Fabiano Contarato (Rede-ES), policial civil e ex-diretor do Detran.
Na avaliação de Contarato, a fiscalização é pouca e ineficaz, enquanto a educação para o trânsito é insuficiente. O senador é autor do PL 600/2019, que estabelece pena de reclusão (em regime inicial fechado) para quem matar ou lesionar pessoas por ter usado álcool ou outra substância psicoativa antes de dirigir.
Como os crimes de trânsito são classificados como culposos pelo Código Brasileiro de Trânsito (CTB), devem ser punidos com medidas alternativas, independentemente da extensão da pena. Com base no Código Penal, portanto, um juiz pode aplicar penas como prestação de serviços, limitação de finais de semana e fornecimento de cestas básicas.
A prisão só se consuma nos casos em que o júri popular entende que o condutor assumiu o risco de matar, caracterizando o chamado dolo eventual. Foi o que se deu com o ex-deputado estadual do Paraná Luiz Fernando Ribas Carli Filho. Desde 28 de maio ele cumpre pena em regime semiaberto com tornozeleira eletrônica, por duplo homicídio. Ao dirigir embriagado e em alta velocidade, ele acabou matando Gilmar Rafael Souza Yared, de 26 anos, e Carlos Murilo de Almeida, de 20. Carli tinha perdido a carteira de habilitação depois de receber 30 multas, 23 por excesso de velocidade, e somar 130 pontos.
Fiscalização
Com a experiência de quem já comandou blitz da Lei Seca em Natal, o senador Styvenson Valentin (Pode-RN) menciona as mudanças no CTB efetuadas em 2012 (Lei 12.760) e em 2014 (Lei 12.971), para reconhecer que a legislação está evoluindo, mas lentamente. Ele reclama da fiscalização pouco efetiva: faltam suportes material e tecnológico e treinamento das equipes.
— O que adianta um papel, se não tem quem aplique?
Em nível administrativo, o excesso de recursos e a leniência da burocracia dificultam a suspensão de carteiras.
— A lei não corrige o cara que mata no trânsito. O direito vê isso como não intenção de matar. Como não? Se ele se embriagou e mesmo assim pegou no volante? — questiona.
O senador apresentou projeto (PL 1.334/2019) para que parte dos R$ 9 bilhões recolhidos em multas todos os anos sejam usados no tratamento de reincidentes em infrações que envolvam o uso de álcool ou outras drogas. Ele também propôs o PL 1.612/2019, que condiciona a devolução da carteira de habilitação ao condutor reincidente a tratamento para curar o vício.
Para o presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM), Carlos Vital, a solução para reduzir os acidentes depende de fatores como prevenção, reforço na fiscalização e sinalização e melhorias na infraestrutura e no aprimoramento dos itens de segurança dos veículos. “O impacto desses acidentes nos serviços de saúde é alto”, diz Vital em informe do CFM.
O trânsito brasileiro consumiu da Previdência Social R$ 12 bilhões em benefícios por mortes entre 2003 e 2012, gerou 228 mil indenizações por invalidez pagas pelo seguro obrigatório DPVAT em 2018, a maior parte delas por causa de acidentes de moto, e pressionou o Sistema Único de Saúde (SUS) em R$ 2,9 bilhões entre 2009 e 2018. Diante dessa realidade, Styvenson disse ter se surpreendido com a determinação do presidente da República, Jair Bolsonaro, de desativar radares em rodovias federais.
Acidente na BR-364 interdita o trânsito em Mato Grosso: senadores atuam para reduzir mortes nas ruas e estradas. Foto: Guilherme Filho/Secom-MT
Ação
O primeiro anúncio do presidente foi feito em março, pelo Twitter, e falava no cancelamento de 8 mil novos radares fixos. Dez dias depois, a juíza Diana Vanderlei, da 5ª Vara Federal em Brasília, suspendeu a retirada, atendendo a pedido em ação popular impetrada por Contarato.
Em 1º de junho, o presidente defendeu novamente a medida, argumentando que ela desferiu “um golpe na indústria da multa” e economizou R$ 1 bilhão.
Já Styvenson elogiou a decisão de Diana Vanderlei.
— Pardal não cansa, pardal não pede hora extra. O quebra-molas danifica o carro, prejudica o patrimônio, mas não multa e não dá pontos na carteira — diz Styvenson.
O presidente anunciou no dia 1º, igualmente pelo Twitter, que mandará projeto de lei à Câmara nesta semana com a proposta de aumentar de 20 para 40 o número de pontos que o condutor pode atingir antes de perder a CNH. Deve fazer parte da proposição estender, de cinco para dez anos, o prazo de validade da carteira. Na opinião de Styvenson, a pontuação na carteira é uma forma de conter a má educação.
— As pessoas estão sendo enganadas, porque todo mundo é vítima do trânsito, motorista, pedestre, ciclista —alertou.
O consultor de transportes do Senado Rodrigo Ribeiro explica que a instalação de um radar não é algo tão banal. Cada equipamento passa por um período de estudo para verificar a sua necessidade e adequação. Na Grã Bretanha, a London School of Economics constatou que os radares de velocidade fizeram os acidentes diminuir de 17% a 39% e as mortes, de 58% a 68% nos 500 metros à frente do local das câmeras.
Quanto a aumentar o número de pontos permitidos na carteira, Ribeiro entende que a ideia tem relação direta com as fiscalizações eletrônicas, porque o que mais gera pontos atualmente são as infrações de velocidade.
Em 2011, o Brasil ensaiou uma mudança em larga escala impulsionada pelo compromisso do governo com a Década da Ação pela Segurança no Trânsito, projeto da ONU. A meta era a diminuir as mortes por meio da redução em 50% do número de acidentes. Parte do esforço seria empreendido por meio do Programa Nacional de Redução de Mortes e Lesões no Trânsito (Pnatrans), anunciado em setembro de 2018, e que apresentava metas para a redução de mortes no trânsito até 2028.
O destino do Pnatrans, porém, é incerto. Segundo o Ministério da Infraestrutura, que herdou o programa do Ministério das Cidades, o Pnatrans está “em revisão para realinhamento das metas e ações”.