Projeto cria regras para proteger dados pessoais
O Brasil chegou à era do Big Data e da rastreabilidade agressiva sem uma lei que proteja os dados pessoais de seus cidadãos
Foto: Connie Zhou/Google Centro de dados do Google, Estados Unidos: a maior ferramenta de busca da internet armazena dados de todos os usuários |
Aline Guedes/Ag. Senado/Especial Cidadania
Instadas a se relacionar com um gigantesco sistema de armazenamento, classificação, transmissão e mesmo comercialização de dados, as pessoas estão vulneráveis. Seus hábitos, preferências de consumo, características étnicas, posições políticas, condições de saúde, orientação sexual, patrimônio, situação creditícia e muitos outros aspectos são observados, coletados e “tratados” para diversos usos, como estratégias de venda e de propaganda eleitoral.
Não muito tempo depois do escândalo da venda de dados de usuários do Facebook à empresa Cambridge Analytica, o Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), empresa ligada ao Ministério da Fazenda, foi acusado de comercializar dados pessoais sob sua responsabilidade.
O Senado não só analisa o caso, como está para votar e enviar à sanção presidencial um projeto para disciplinar o relacionamento de responsáveis por bancos de dados com as pessoas físicas. O Projeto de Lei da Câmara (PLC) 53/2018, do deputado Milton Monti (PR-SP), estabelece uma série de restrições para instituições privadas e públicas que armazenam dados de internautas, consumidores e usuários de serviços públicos.
Na semana passada, o projeto foi aprovado na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) e seguiu para análise do Plenário em regime de urgência.
Para o relator na CAE, senador Ricardo Ferraço (PSDBES), a exposição dos cidadãos é um assunto tão urgente que ele preferiu apresentar um relatório ao PLC 53/2018 e arquivar propostas sobre o mesmo assunto com origem no Senado.
— O projeto votado na Câmara se aproximou muito do que queríamos aqui, por isso nossas emendas são apenas para aprimorar a técnica legislativa — explicou Ferraço.
Internet
A exposição a que ele se referiu cresce com o acesso dos brasileiros à internet. Segundo o IBGE, 70,5% dos domicílios estavam conectados à rede em 2017. Em 92,7% das residências, pelo menos um morador possuía telefone celular, enquanto o telefone fixo era encontrado em apenas 32,1%.
Com o crescimento do acesso à rede via telefone celular — de 60,3% dos domicílios em 2016 e para 69% em 2017—, cresce também a utilização do aparelho para compras e pagamentos, além de navegação pelas redes sociais. No caso dos pagamentos, os bancos preferem o celular ao computador de mesa. Logo o consumidor fica mais exposto ao fornecer CPF, telefone, endereço e outros dados pessoais, que podem ser usados de forma inadequada.
Em maio, entrou em vigor o Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados na União Europeia. O documento estipula regras para empresas e órgãos públicos lidarem com os dados pessoais da população. Esses dados só devem ser tratados se a finalidade não puder ser atingida por outros meios. E, sempre que possível, é preferível utilizar dados anônimos.
Quem desrespeitar as regras pode pagar multas que vão de 10 milhões de euros (cerca de R$ 43 milhões) até 20 milhões de euros (quase R$ 86 milhões). No PLC, a multa prevista é de no máximo R$ 50 milhões.
O ministro-conselheiro da embaixada da União Europeia no Brasil, Carlos Oliveira, ressaltou que a segurança da informação ultrapassa fronteiras. Ele chamou a atenção para o fato de o Brasil permitir o uso dos dados para análise de crédito.
Foto: Bruno de los Santos Fortuna/ Fotos Públicas Em 2017, 70,5% das residências brasileiras estavam conectadas à internet |
— A legislação na União Europeia não coloca fim a esses procedimentos, mas impõe rigor quanto à sua indevida utilização — esclareceu.
Integrante do Centro de Direito Internet e Sociedade e professor do Instituto de Direito Público (IDP), Alexandre Sankievicz criticou a demora do Brasil em criar regras claras para uso de dados pessoais, enquanto países como Uruguai, Chile e Argentina já o fizeram.
Representantes de vários setores defenderam a aprovação rápida do projeto, sem novas modificações, a fim de que o texto não volte à Câmara. Segundo eles, a proposição é um avanço e alinhará o Brasil a outros países que já aprovaram legislações sobre o assunto.
— O PLC 53 é um resultado possível e maduro. Não é o texto que a sociedade civil desejaria em todos os sentidos, mas é adequado ao contexto tecnológico, não engessa a inovação e concilia direitos dos titulares dos dados e de empresas — opinou a jornalista Bia Barbosa, coordenadora do coletivo Intervozes e integrante da Coalizão Direitos na Rede.
A professora da Universidade de Brasília (UnB) Laura Schertel se disse surpresa com o nível de maturidade atingido pelo assunto no Parlamento. Ela vê riscos se a atual oportunidade não for aproveitada.
— Não temos regras gerais sobre dados pessoais. Temos o código de Defesa do Consumidor, a Lei de Defesa da Concorrência e não temos como se dá o fluxo de informação. Com isso, todos saem perdendo, não só os cidadãos, mas empresas e o Estado, porque não sabem qual o limite do compartilhamento de dados.