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Faraós embalsamados

em Colunistas, Heródoto Barbeiro
quinta-feira, 05 de julho de 2018

Faraós embalsamados

A manifestação foi marcada para a principal avenida da cidade, mesmo com a repressão do governo. Grupos políticos no poder tentaram também impedir.

Um dos manifestantes postou nas redes sociais que o pais sofria de corrupção, opressão e educação de má qualidade, e péssimo atendimento na saúde. Vivemos em um sistema corrupto que não tem perspectiva de mudanças, dizia ao gritos em cima de um caminhão de som, outro manifestante. Eles foram unânimes em denunciar a corrupção do governo, sua incapacidade de prestar serviços públicos, cobrança abusiva de impostos e a falta de igualdade de oportunidades no pais.
Boa parte dos presentes na avenida concordavam que a maioria dos problemas econômicos eram causados fundamentalmente por causa do esquema político que impedia a renovação, e perpetuava a elite no poder. Sustentavam que os maiores obstáculos enfrentados estavam no Estado ineficiente e corrupto e uma estrutura social em que não havia espaço para as pessoas usarem o seu talento. O sentimento geral era que era preciso mudar e para isso era necessário uma reforma política.

Mas, “tudo está no seu lugar, graças a Deus, graças a Deus”, cantarolava um líder do governo.

A primeira modificação desejada pelos manifestantes era reformar o sistema político que estava nas mãos da elite desde os tempos imperiais. As mudanças ocorridas ao longo dos anos eram apenas de fachada, uma maquiagem para que o pais tivesse sempre mais do mesmo. O sistema é totalmente dominado pelas elites que reservam para si os postos elegíveis através da compra de votos, instrumentação do Estado para seus correligionários, e a formulação de leis que os protegem da justiça e os privilegiam.

Além da corrupção, muita corrupção. Ao longo do tempo as elites institucionalizaram seu poder legislando e aprovando dois sistemas jurídicos, na prática, duas leis: uma para os pobres e outra para os ricos, que navegam por ela com recursos jurídicos intermináveis e advogados de custo milionário. Manifestantes acusam o governo, monopolizado pelas elites, de ter se apropriado do Estado e adotarem no passado políticas e estratégias equivocadas que consolidaram a incapacidade do pais prosperar. Era a tempestade perfeita do atraso.

Uma pequena elite se esbalda em privilégios às custas do resto da nação, ou seja organizou ao longo do tempo a sociedade em função de seus próprios interesses em detrimento da massa da população. O poder político, estritamente concentrado, vem sendo usados para gerar riqueza para aqueles já detém a maior parte da renda nacional, uma das mais concentradas do mundo. A origem da elite era a propriedade da terra que vinha dos tempos antigos com a produção voltada para o mercado externo e o produto da venda destinado aos grandes latifundiários.

Muito pouco sobrava para a população em geral. Com o advento da industrialização e do crescimento da economia, pouca coisa mudou uma vez que a população também aumentou. Mão de obra barata, falta de empreendedorismo, sindicatos monopolizados por outro ramo da elite, falta de mobilização em torno de um programa com um mínimo de sustentação popular. Pouco adiantou a derrubada da monarquia e a proclamação da república.

A despolitização constante prosperou e foi habilmente usada pela elite dominante. Assim, a queda do rei em 1952, apenas proporcionou a ascensão da elite egípcia ao poder, desinteressada na prosperidade das pessoas comuns, tanto quando no tempo dos otomanos e britânicos. Em consequência a estrutura básica da sociedade não mudou, e o Egito permaneceu pobre.

(*) – É âncora do Jornal da Record News, inspirado em ‘Por Que as Nações Fracassam’, de Acemoglu e Robinson, ed. Campus.