Fabio Mestriner (*)
Um arranjo informal e criativo destina mais de 60% das embalagens produzidas no Brasil para as fábricas após entregar seu conteúdo aos consumidores de todo o país.
A produção de embalagens é um componente importante na economia das nações desenvolvidas. Isto se deve ao fato dos produtos necessitarem de embalagens para serem distribuídos. Hoje, mais de 80% do que é produzido nas fábricas acaba sendo encaminhado ao mercado dentro de algum tipo de embalagem. O fornecimento de embalagens é tão crítico que, na eventualidade da falta deste insumo na produção, a maioria dos produtos não conseguiria deixar as fábricas e as empresas parariam de emitir notas fiscais.
A indústria brasileira de embalagem está alinhada tecnologicamente e em capacidade de produção com suas congêneres dos países desenvolvidos e aqui estão presentes com suas fábricas, 18 das 20 maiores industrias mundiais deste segmento. O Brasil produz e exporta muitos tipos de embalagens e o setor gerou, em 2014, o faturamento de R$ 48 bilhões, o que representa uma parcela significativa do PIB nacional.
Fazer com que todas estas embalagens recebam um encaminhamento adequado após entregarem no destino não é tarefa fácil. O destino destas embalagens pós consumo se torna um problema para as prefeituras municipais, a quem cabe providenciar a coleta de lixo, pois este é o destino dos assim chamados “Resíduos Sólidos Urbanos” nos quais as embalagens figuram como um dos componentes.
Quando se trata deste tema, a questão ambiental tem dominado de tal forma os debates sobre o que fazer com o lixo urbano que vem sobrepujando, inclusive a questão do saneamento público, a ponto de merecer a promulgação de uma lei federal específica para tratar do destino dos tais resíduos. Esta legislação prevê a ação integrada e a responsabilidade compartilhada entre estado, empresas e sociedade e objetiva reduzir os problemas decorrentes do impacto ambiental causado pelo lixo urbano.
Um dos seus principais objetivos é ampliar os índices de reciclagem por meio de compromissos com metas a serem alcançadas progressivamente. Sem dúvida, a adoção da Lei de Resíduos Sólidos vai trazer no futuro benefícios para os três agentes comprometidos com sua aplicação, ou seja, o poder público, as empresas e a sociedade em geral. Vale a pena dar uma olhada no panorama atual da reciclagem de embalagem no Brasil e a logística reversa empregada em sua operação para avaliarmos o estágio em que nos encontramos.
Mas antes vale lembrar que não é de hoje que a reciclagem de embalagem está presente na vida cotidiana dos brasileiros. Desde os tempos do Brasil colonial, escravos com seus cestos na cabeça percorriam as ruas apregoando seu característico “garrafeeeeeiro”. O garrafeiro com seu pregão faz parte das nossas tradições aparecendo no cancioneiro popular, na poesia e na iconografia de época.
Quando menino no interior, meus amigos e eu coletávamos garrafas, papel, papelão e outros materiais para vender no “depósito de ferro velho” e com o dinheiro arrecadado com esta venda, comprávamos a bola e o jogo de camisas do nosso time. Estes depósitos formam, desde o início do século, uma rede de sucateiros que se propõe comprar o que as pessoas levam até eles e o que os catadores por eles estimulados ou empregados recolhem nas ruas e nas casas.
Da mesma forma, a coleta e a reciclagem de embalagens no Brasil funciona com a organização informal de milhões de pessoas que se mobilizam por dinheiro, necessidade ou por idealismo militante para encaminhar embalagens para os centros recicladores e os sucateiros fazendo com que a partir deles elas cheguem às fábricas para serem reprocessadas.
É importante frisar que o grande promotor desta atividade é a própria indústria de embalagem que tem forte interesse econômico na reciclagem e procura adquirir tudo o que consegue encontrar, pois produzir a partir de material reciclado é, na maioria das vezes, bem melhor e mais lucrativo do que produzir a partir da matéria prima virgem.
Podemos citar como exemplo a produção de papel produzido com aparas e material recolhido do lixo de escritórios e residências oriundos da reciclagem, pois o custo de produção de uma tonelada de produto acabado cai pela metade em relação ao fabricado com celulose virgem originária das florestas plantadas.
Mas e a sociedade o que ganha com isso? E que interesse tem em participar desta atividade? A sociedade tem tanto a ganhar quanto a indústria pois, além dos ganhos ambientais que a reciclagem promove, ela é fonte de trabalho e renda para quase um milhão de brasileiros excluídos que, com esta atividade, conseguem ganhar seu sustento e empreender no caminho de volta a sociedade da qual a maioria deles já se encontrava a margem.
Portanto, um enorme ganho ambiental e social.
(*) – É Consultor da Ibema, Professor Coordenador do Núcleo de Estudos da Embalagem ESPM, Professor do MBA de Marketing da Fundace USP e autor dos livros ‘Design de Embalagem Curso Avançado’ e ‘Gestão Estratégica de Embalagem’ (www.ibema.com.br).