É hora de colocar a mão na massa!

em #tenhacicatrizes, Empreendedores Compulsivos
quarta-feira, 17 de junho de 2020

Luiz Felipe Pateo (*)

Estar em isolamento social há cerca de 90 dias não é uma tarefa fácil para a maioria das pessoas, apesar de necessária. Por outro lado, tem muita gente aproveitando momento em casa para fazer algumas atividades que não conseguia antes por falta ou por simples má gestão do tempo. E isso acaba também servindo como “válvula de escape” para aliviar essa pressão de quarentena.

Um dos meus hobbies favoritos é cozinhar. Claro que em isolamento social tenho cozinhado muito mais e quando a gente passa a fazer algo por obrigação, às vezes cansamos ou a criatividade se esgota. Mas para estas horas… viva os aplicativos de comida!

O fato é que mesmo cozinhando há vários anos já, nunca fui muito bom em produzir massas em geral, seja ela macarrão, bolos, pizza ou pães. Se me desse a massa pronta, beleza! Deixa o resto comigo que eu garanto!

Eis que então resolvi aproveitar este meu tempo de quarentena para, entre outras coisas mais ligadas à minha vida profissional, aperfeiçoar esta minha fraqueza. Mas a grande transformação saiu de onde eu menos esperava: o Pão.

Nunca tinha feito um pão na vida, mas incentivado por uma amiga que adora fazê-los e que já tinha me presenteado com alguns, resolvi arriscar. Somente depois me dei conta que a quarentena gerou um movimento “faça seu próprio pão” levando à escassez de farinha e fermento no mercado por alguns dias.

Eis que fiz meu primeiro pão. Um pouco tenso ainda. Mas, confesso que curti o processo e o resultado final foi fantástico. Encorajei-me então a fazer mais alguns e com o resultado positivo descobri que estava gostando cada vez mais da brincadeira. Resolvi então avançar mais uma casa no grau de dificuldade: fazer meu próprio levain! (pronuncia-se “le-van”)

Levain é o nome em francês para definir o Fermento Natural, o processo mais artesanal da panificação. Dá trabalho, requer cuidados, maior tempo para a produção do pão, mas, o resultado vale a pena: um pão com aroma e sabor diferente de todos os outros, facilmente digerido pelo organismo e muito melhor do que qualquer pão industrializado.

Fui em busca de mais informações. Fiz meu fermento do zero e comecei a fazer os pães com o tal levain. Diferente da fermentação biológica que o processo é relativamente mais simples, os pães de fermento natural mostraram maior complexidade. Com muito esforço, alternando entre erros e acertos consegui pegar a mão e aprender a lidar com este tipo de pão.

Meus pães começaram a sair gostosos, bonitos e elogiados…que satisfação!

Além do prazer em fazer um pão delicioso, colocar a mão na massa abriu minha cabeça e me trouxe muitos insights para o mundo corporativo (e até para a vida pessoal), que pretendo utilizar em minhas aulas e palestras. E compartilho aqui em primeira mão!

A primeira coisa é que fazer pão requer fontes de informação e capacitação. Se eu nunca fiz pão, tenho que buscar aprendizado de fontes confiáveis, claras e práticas para eu conseguir fazer algo o qual não detenho conhecimento.

Obviamente hoje está muito mais fácil porque a internet está cheia de pessoas falando de tudo que é tema. Após uma breve pesquisa, usando uma técnica dos Empreendedores Compulsivos, chamada deep speed (mergulhe o mais profundo que conseguir no menor espaço de tempo possível), consegui três excelentes fontes de aprendizado para pão: Luiz Américo Camargo (autor do Pão Nosso e Direto Ao Pão), Pão da Casa Wit (Rene Seifert) e Amo Pão Caseiro (Adriano Ribeiro).

Outra lição importante é o planejamento de recursos e de tempo. De recursos, porque para fazer pão, você precisa ter basicamente quatro ingredientes: farinha, sal, fermento e água (algumas vezes ovo, leite, manteiga etc.). Aqui em casa, farinha e fermento não eram ingredientes comuns, porque usávamos muito pouco. Então antes de começar a fazer pão, tive que ir às compras.

Planejamento de tempo é importante. Aliás, super importante! Fazer pão requer tempo para separar os ingredientes, preparar a massa inicial, fazer a autólise (uma pausa para a farinha absorver melhor a água), a sova ou as dobras, a primeira fermentação, a segunda fermentação, o tempo de forno e de resfriamento. Não tem essa de “vou fazer um pão rapidinho”. Alguns tempos têm que ser respeitados, não tem jeito. Existe técnicas para atrasar um pouco a fermentação caso você não esteja disponível no horário que seria o fim da fase de fermentação, como colocar na geladeira. Mesmo assim, se ultrapassar demais este tempo de fermentação, a massa desanda.

E aqui vem uma outra lição: aprender com os erros, não desistir, consertar e fazer de novo. #tenhacicatrizes.

Certa vez uma das minhas massas estava crescendo tão lindamente que pensei: “vou deixar um pouquinho mais e ela vai ficar espetacular”. Foi um dos meus primeiros erros. Minha primeira cicatriz da panificação!

A fermentação fora da geladeira passou do ponto, a massa desandou, parecia aquelas “gelecas” e deu um trabalhão até para jogar fora e limpar tudo! Fora o desperdício.  Lição aprendida, fiz de novo, respeitando os tempos e deu tudo certo: pão lindo e saboroso.

A gestão do tempo é ainda mais importante quando se está fazendo um pão de fermentação natural. Isto porque cerca de 4 a 8 horas antes de fazer o pão, dependendo do clima, você tem que refrescar o seu fermento natural para “ativá-lo”. Se não fizer isso, seu pão não vai crescer.

Então você tem que saber quando deseja consumir o pão, fazer a conta de trás para frente, considerando: tempo de separar os ingredientes, tempo de refrescar o fermento + tempo de preparação da massa e seus descansos iniciais + tempo para sova ou dobras + tempo de primeira fermentação + tempo de segunda fermentação + tempo de forno + tempo de resfriamento.

Outro grande aprendizado é a paciência. Saber esperar, cuidar e seguir o procedimento. Sou do tipo de profissional de marketing e vendas ousado, que não tem medo de tomar riscos, que não costuma seguir muito as regras “padrão”. Profissionalmente, foram raras as vezes que desafiar o procedimento e assumir o risco de forma calculada não me trouxe o resultado que eu esperava.

Mas, na panificação, é diferente. Principalmente na hora de criar o seu levain. Quando resolvi começar o meu do zero, achei duas receitas muito boas e optei por fazer as duas ao mesmo tempo. Isto, porque li várias vezes, que era comum não dar certo na primeira vez, que um erro no procedimento poderia “matar” o seu fermento.  Criar um fermento natural do zero leva em torno de sete dias, e ansioso como sou, iria ficar muito bravo de errar e ter que recomeçar.

Caso um desse errado a outra poderia dar certo. Segui rigorosamente o passo a passo de cada uma delas. Tive que controlar minha ansiedade e saber esperar o resultado de cada etapa até chegar no momento certo. Sempre cuidando, seguindo corretamente o procedimento. Foi um forte exercício, mas ver o resultado final é uma sensação maravilhosa. Ainda mais porque as duas deram certo!!

Outro grande aprendizado foi que na panificação nem tudo é tão rígido quanto parece. Como em várias outras tarefas na vida, a experiência adquirida conta muito. Uma vez que você conhece os processos, pode assumir alguns riscos e improvisações, que podem dar certo ou não, mas, isto também faz parte do aprendizado. É a hora que você começa a brincar e resolve arriscar e testar outros ingredientes além da farinha de trigo branca e integral. Seja acrescentando ou substituindo parte da farinha com aveia, quinua, farinha de mandioca etc. Também começar a brincar com novas modelagens e formas de porcionar a massa. É o seu toque pessoal.

Você sabia que fazer pão ensina a trabalhar em equipe? Sim, você e seu levain são uma equipe! Você alimenta e ativa seu fermento. Depois mistura-o com os demais ingredientes e aí é a hora que ele faz o trabalho de fermentação da massa para você assar o pão e ter seu lindo resultado.

Mais uma lição é sobre controle de insumos e desperdício. É preciso saber alimentar a quantidade correta de fermento que vai precisar – sem ter que descartar o excesso, medir e usar a quantidade certa de farinha e água, evitando perdas ou porque caiu na pia, ou porque sobrou no pote e você jogou fora… Você começa a perceber que mesmo aquele pouquinho de farinha, que parece inofensivo jogar fora, poderia ser suficiente para untar uma forma ou a área de trabalho para modelar. Quando acaba sua farinha, aquele pouquinho, que foi para o lixo, pode fazer falta. Eu sei bem. #tenhacicatrizes.

Os dois aprendizados finais mais legais quando você faz pão são a celebração e o compartilhamento.

Celebrar é muito importante! Fazendo pão você celebra cada pequena conquista ao longo do processo: o fermento que deu certo, a massa que cresceu, a modelagem que ficou bonita, o pão crescendo no forno e o cheirinho tomando conta da casa, o pão pronto e lindo, o som crocante  do corte, o cheiro, o sabor e os elogios que recebe. Cada conquista é importante e faz com que você libere mais dopamina no seu organismo, tendo a sensação de dever cumprido e estímulo para fazer mais.  Tenha certeza que você vai querer fazer de novo… e de novo… e de novo…

O compartilhar também nos dá uma ótima sensação! E não estou falando só de compartilhar colocando fotos no Instagram para mostrar para todo mundo babar (ok, confesso que também é gostoso isto e sim, faz parte!!). Mas você irá querer compartilhar muito mais: vai querer compartilhar o pão, fazendo de presente para seus familiares e amigos. Vai querer compartilhar seus conhecimento e aprendizado com alguém que está começando. Vai querer compartilhar seu fermento natural para facilitar a vida do outro. E, por fim, vai querer compartilhar suas fontes de informação e aprendizado, reconhecendo publicamente e, inclusive, enviando mensagens diretas agradecendo que te ensinaram, que te inspiraram.

Quando você estiver razoavelmente bom no pão, vai começar a querer “expandir seu portfólio”. Vai querer arriscar outras categorias semelhantes como massa fresca, pizza, lasanha, bolos, etc.  Faça aquilo que você tiver vontade. Não tenha medo!

Fazer pão só traz benefícios.

Primeiro porque como diz o Luiz Américo Camargo: “um pão caseiro será sempre muito mais saudável que um pão industrializado.”

Segundo porque fazer pão é um aprendizado constante. Cada receita, cada marca de farinha, cada ingrediente que você adiciona pode gerar uma reação diferente.

E, por fim, porque fazer pão te ensina e te abre a mente para um monte de outras coisas na vida, as quais muitas vezes não conseguimos enxergar por estarmos muito envolvidos nas nossas tarefas cotidianas. Ao sovar uma massa, você além de aliviar o stress, muda seu foco de atenção direcionando-o para o pão.

Então, está esperando o que para colocar a mão na massa?

(*) É Empreendedor, Mentor, Professor e Palestrante. CEO dos Empreendedores Compulsivos, possui mais de 20 anos de experiência como executivo de marketing e vendas. Tem MBA em Gestão de Negócios pela FGV-SP, especialização em Marketing Digital pela The Wharton School e é bacharel em Comunicação Social pela ESPM.Atualmente roda o Brasil impactando empreendedores PME dos mais diversos segmentos, ajudando-os a crescer e se consolidar, por meio da metodologia dos Compulsivos. Siga-nos no Insta, Face e Linkedin: @empreendedorescompulsivos